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ENTREVISTA

‘A multiplicação de carros no Brasil é uma bomba relógio ambiental de grandes proporções”.

Entrevista especial com André Trigueiro

Por Redação IHU

“Não existe mais hora do rush e isso significa perda de mobilidade”, constata Trigueiro, ao avaliar o trânsito caótico das cidades. Segundo ele, a engenharia de tráfico do país tem que mudar e, “em bom português”, diz que isso “significa que os investimentos públicos em transporte de massa eficiente, barato e rápido devem ser superiores, devem suplantar os investimentos públicos que abrem caminho para o transporte individual”. De acordo com o jornalista, a maioria dos impostos pagos pelos brasileiros ainda beneficia o transporte individual. “Isso é um desajuste, um desacerto e é injusto, porque a maioria dos brasileiros não tem carro”, reitera.

Em entrevista à IHU On-Line, por telefone, Trigueiro defende a ideia de investir em transportes públicos que atendam centenas de pessoas, como o metrô, que, apesar de caro, é o meio mais indicado para solucionar problemas de tráfego e mobilidade urbana. “Chegamos a um ponto em que não é opção ter metrô; ele é fundamental, porque é o meio de transporte que irá reduzir, no longo prazo, a bomba relógio do crescimento desordenado das cidades e das suas frotas automobilísticas”.

André Trigueiro é jornalista, pós-graduado em Gestão Ambiental pela COOPE/UFRJ e professor do curso de Jornalismo Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Na Globo News, apresenta o programa “Cidades e soluções”, tratando da questão do meio ambiente. É autor de Mundo sustentável (São Paulo: Globo, 2005).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual sua reação diante da notícia de que um motorista atropelou diversos ciclistas que participavam de manifestação em prol da consciência ambiental?

André Trigueiro – É evidente que houve um crime, houve dolo e é evidente, de acordo com as imagens, que houve a intenção deliberada de atropelar. Nesse sentido, não há defesa, não há justificativa.

Por outro lado, o caso mostra que uma manifestação do gênero, evidentemente, haverá de requerer, em qualquer lugar, autorização prévia ao município para que os ciclistas sejam escoltados. Quer dizer, é muito arriscado realizar uma manifestação de bicicleta ou a pé, em uma avenida, contando com a boa vontade das pessoas. É importante que as manifestações sejam planejadas, que se avise a polícia e a guarda municipal. Cada cidade tem o seu protocolo e não é preciso arriscar a vida dos ciclistas.

Gostaria de fazer uma ressalva sobre o radicalismo, pois ele nunca é um aliado. Os movimentos extremistas, apaixonados, independente da causa, não agregam; pelo contrário, eles segregam. Não podem ser entendidos como uma ferramenta inteligente e, assim, não ganham musculatura e densidade.

Em sendo verdade a hipótese de que um motorista estressado, querendo atravessar a via, justificou a agressividade de alguns manifestantes, isso também merece atenção. A causa dos ciclistas é justa e nobre, é importante abrir espaços na cidade para a bicicleta, entendendo o veículo como meio de transporte consagrado em vários países do mundo, reduzindo as emissões de gases estufa, o ruído, aumentando o nível de conforto, de qualidade de vida das pessoas. Agora, perder a cabeça por uma razão qualquer, ficar impaciente e partir para a agressão não condiz com a nobreza da causa.

Há tantas outras maneiras de lidar com motorista impaciente, com pessoas que não atribuem importância ou consideram até uma ideia descabida uma manifestação do gênero. Não podemos impor aos outros a nossa visão de mundo, não podemos replicar uma visão monolítica do mundo e medi-lo conforme a nossa régua. O grande barato de viver em um país democrático como o Brasil é a possibilidade de organizar uma manifestação com ciclistas na rua, sem agravar o estresse que já existe e que confronta motoristas e ciclistas. Sou a favor da paz e penso que o movimento ambientalista não combina com guerra. Ele é muito criativo quando quer chamar atenção da opinião pública, da mídia, defendendo causas nobres e não consigo imaginar que a nossa estratégia seja outra, senão a de usar a criatividade, o bom senso, sem violência.

IHU On-Line – Muitas pessoas alegam que é complicado se locomover de bicicleta em função da engenharia das cidades. O que poderia mudar nesse sentido?

André Trigueiro – A engenharia de tráfico das cidades tem que mudar, temos que mudar o paradigma, o modelo. Isso, em bom português, significa que os investimentos públicos em transporte de massa eficiente, barato e rápido devem ser superiores, devem suplantar os investimentos públicos que abrem caminho para o transporte individual. Um estudo feito recentemente por um pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apontou que a maior parte dos impostos pagos pelos brasileiros é aplicada na área de transporte, mas beneficiam o transporte individual. Isso é um desajuste, um desacerto e é injusto, porque a maioria dos brasileiros não tem carro. Além disso, não se podem utilizar recursos públicos majoritariamente para abrir caminho para o transporte privado.

É preciso promover não apenas a possibilidade de a bicicleta interligar domicílio a trabalho, ou seja, criar corredores, fluxo de bicicleta, demarcar no asfalto ou na calçada o espaço da ciclovia, mas ter uma sinalização eficiente, fiscalização presente, educação ostensiva para motoristas e ciclistas e punição severa e exemplar para quem não respeita as regras. Na Europa, o motorista tem medo de “encostar” em ciclista porque sabe que é encrenca. No Brasil, o pedestre é soberano, ninguém pode encostar nele, mesmo que esteja atravessando a rua fora da faixa de segurança, ou esteja em uma situação de risco. É dever do motorista parar o carro.

É fundamental entendermos que a bicicleta pode entrar como um elemento importante que interliga modais de transporte. A pessoa pode sair de casa usando a bicicleta, parar em uma grande estação de trem, de ônibus ou de metrô, onde haja bicicletário e, de lá, seguir para outros lugares da cidade. É preciso investir em lugares referenciais, onde o fluxo de ciclistas eventualmente seja grande. Poderiam criar um banheiro público e cobrar R$1, R$1,50, R$2 pela utilização. Os ciclistas poderiam tomar banho pagando uma taxa simbólica. Seria uma forma de facilitar a vida deles.

No metro, por exemplo, um vagão poderia ser destinado aos ciclistas. Essas seriam alternativas para reduzir a emissão de CO2, diminuir o ruído das cidades e melhorar a mobilidade urbana. A frota nacional de veículos cresceu mais de 100% em uma década, quer dizer, é um crescimento em progressão geométrica e as artérias das cidades não crescem na mesma proporção. Não existe mais hora do rush e isso significa perda de mobilidade.

IHU On-Line – O senhor escreveu no Twitter que há quatro anos comprou uma bicicleta para ir à PUC-Rio lecionar e acabou desistindo em função dos riscos que corria. Refere-se ao desrespeito dos carros? Como foi essa experiência?

André Trigueiro – Eu moro no bairro Laranjeiras e levo, de carro, cerca de dez minutos para chegar até a PUC, onde leciono. Atravesso um túnel, onde não é possível andar de bicicleta naturalmente. Quando opto por ir de bicicleta, faço um trajeto alternativo, saindo de Laranjeiras, pegando o bairro de Botafogo, Humaitá, Lagoa e Gávea, onde é a PUC. Parte desse percurso é coberto por ciclovia, outra parte não, justamente atravessando Laranjeiras e Botafogo. Nesse trecho, tenho que dividir a calçada e o asfalto com pedestres e motoristas.

As pessoas não têm a cultura do respeito ao ciclista, especialmente se a via não está demarcada. Senti-me exposto. Apesar de reconhecer a importância da bicicleta como modal de transporte, não posso ser irresponsável; tenho de priorizar a vida. Não adianta ter capacete, eventualmente uma roupa mais chamativa, fosforescente, aquela lanterninha piscando atrás do banco da bicicleta, pedal com olho de gato: a bicicleta é absolutamente frágil. Não se pode ter uma visão de que a bicicleta é maravilhosa, que todos devem usá-la, porque cada cidade tem a sua realidade.

Além de usar a bicicleta, podemos procurar alternativas para reduzir as emissões de gases estufa. A pecuária, por exemplo, é um dos maiores contribuintes para a emissão de gases estufa. Eu já reduzi drasticamente o consumo de carne. Procuro abrir espaço na universidade para esse debate, nas redes.

IHU On-Line – Algumas pessoas alegam que preferem se locomover de carro porque o transporte público é ineficiente. Será só isso mesmo, ou no Brasil o uso do carro já faz parte da cultura brasileira?

André Trigueiro – No Rio de Janeiro há um volume de investimento muito expressivo para preparar a cidade tanto para a Copa do Mundo em 2014 quanto para as Olimpíadas de 2016. O Rio de Janeiro tem uma oportunidade ímpar de promover, como nunca fez, o transporte público de massa. Há uma pressão enorme, o nível de consciência da população é muito grande, ou muito maior do que já foi. A tendência é que esse nível de pressão e de consciência cresça e que os tomadores de decisão percebam, como já percebem, que não há alternativa: não se consegue governar uma cidade colapsada na capacidade de promover o deslocamento das pessoas, as cidades são dinâmicas por vício de origem, as cidades são grandes formigueiros. Então, têm que ter fluxos de movimentação livres.

Estudos mostram que o deslocamento do centro da cidade até um determinado da periferia demorava 20 minutos há 10 anos e, agora, demora 45 minutos. Nos próximos dez anos, faremos esse percurso em quanto tempo? Há um problema de gerenciamento, pois os mandatos de prefeitos e governadores são de quatro anos e as mudanças feitas não resolvem o problema.

Respondendo objetivamente à pergunta, tem um pouco de tudo e cada região do Brasil tem a sua singularidade. Via de regra, existe certo comodismo, além da publicidade enganosa, que mostra o carro em comercial de televisão sempre andando sem engarrafamento. O carro também está cada vez mais confortável, oferece kits de conveniência. Não é normal perder até quatro horas da vida em engarrafamentos, todos os dias. Mas a loucura do automóvel também é a de tentar emprestar sentido à permanência no engarrafamento desde que seja em um carro Pop. Há uma inversão de valores.

IHU On-Line – Segundo informações do Ipea, com a ascensão das classes C e D, deverá aumentar a aquisição de automóveis no país. O sonho de muitas pessoas é possuir um carro próprio. Como lidar com esse paradoxo: ascensão econômica x sustentabilidade?

André Trigueiro – Em primeiro lugar, a multiplicação de carros no Brasil é uma bomba relógio ambiental de grandes proporções. O governo tem, nos impostos arrecadados, não apenas com a venda de automóveis, mas de todos os componentes, uma importantíssima fonte de arrecadação. Certa vez foi feita uma conta: se fosse possível somar todas as montadoras de veículos do mundo e toda a receita auferida pelo setor automotivo e isso fosse transformado em um número, esse número equivaleria ao sexto maior PIB do planeta, ou seja, em um ranking de países, o setor automotivo seria o sexto país mais rico do mundo.

Outro ponto importante é que não se faz omelete sem quebras os ovos. É duro ter que dizer isso. Preciso ter cuidado ao explicar isso para não ter uma visão elitista, mas o fato é que não é possível todo o brasileiro ter carro, como não é possível todo indiano, todo chinês ter carro. Simplesmente não dá, não é uma questão de justiça, é uma questão física. 83% dos brasileiros vivem em cidades segundo o IBGE. Se todos esses tiverem um carro, a vida se tornará absolutamente insustentável, intolerável.

O estudo do Ipea indica que, possivelmente, o Brasil terá que replicar experiências que já acontecem em alguns países do mundo, que são restritivas ao automóvel. Em Cingapura, as pessoas completam 18 anos e tiram a carteira de motorista se houver disponibilidade, pois o governo estabeleceu uma cota. Eles têm um número definido de licenças de motoristas. Uma medida possível talvez seja restringir o número de carteiras de habilitação, não é qualquer um que pode ser motorista, é só quem pode, e o governo vai dizer isso em termos estritamente numéricos, pois tem um limite, uma capacidade de suporte.
Outra opção é sobretaxar o veículo, como fizemos com cigarros e bebidas. Na Califórnia, existem corredores, faixas de rolamento exclusivas para motoristas que estejam acompanhados. A maioria das pessoas, no Brasil, andam sozinhas e não poderiam pegar a faixa seletiva.

Toda a sobre taxa que o governo poderá criar para o transporte individual deverá ser canalizada diretamente para o transporte público. Para onde vai o dinheiro do pedágio urbano de Londres? Para melhorias do transporte público de massa do cidadão londrino. Não tem desvio de dinheiro e isso faz a diferença. O motorista, em lugares onde a cidadania é valorizada, pode até ficar chateado por precisar ir ao centro de carro, já que está sempre pagando seu imposto.

Confesso a você que eu teria um cuidado maior na propaganda de automóveis, como se tem em relação à bebida. Quando encerra um comercial de bebida aparece a frase: “beba com moderação”. Poderíamos pensar o mesmo para a propaganda de veículos, uma mensagem que vá ao encontro do uso sustentável. Hoje em dia ter carro é muito diferente de 20, 30 anos atrás. Por isso, a publicidade tem de lembrar, a quem queira comprar carro, que é preciso ter cuidado, uma visão mais encorpada de mundo.

Além dessas possibilidades, penso que o principal seja aderir à certificação energética, como se fosse um selo Procel, com letra A, B, C, D e E. A letra A representa o carro mais eficiente do ponto de vista do consumo do combustível. As montadoras tinham de ser obrigadas a terem prazos e metas de eficiência e de cinco em cinco anos, os carros deveriam superar a eficiência.

IHU On-Line – O curioso é que essas montadoras são praticamente as mesmas, aqui e lá fora, e lá elas têm um padrão de automóvel que não polui ou polui menos.

André Trigueiro – Porque lá fora há regulação, aqui não. Não podemos ser inocentes, quer dizer, no Brasil a tributação do setor automotivo é importante, pois gera contribuição fiscal, do setor automotivo, dos componentes, autopeças, lubrificantes, combustíveis. Se fizermos a conta, isso dá um lastro para as contas públicas. Não por acaso, o presidente da República, quando o mundo estava deprimido economicamente, aconselhou o brasileiro a comprar tudo. Essa situação ajudou o Brasil a não sofrer tanto. Contudo, manter esse período de consumo é perigoso, temerário, porque não é sustentável. Não dá para imaginar essa progressão geométrica do crescimento das vendas de veículos nas ruas e avenidas de um país onde 83% dos brasileiros vivem em cidades.

Todas as pessoas têm direito a ter carro se assim desejarem, só que o mundo mudou e para pior em relação à mobilidade. O carro é o grande vilão.

IHU On-Line – Em que consistiria um sistema integrado e inteligente de transporte?

André Trigueiro – Através de um bom mapeamento dos percursos, dos trajetos, corredores de deslocamentos na cidade. É preciso entender como a população está distribuída e onde há maior demanda de deslocamento. Segundo, um planejamento em resposta ao diagnóstico, ou seja, como melhorar os meios de transporte onde eles se fazem mais necessários. Penso que o ideal é priorizar, sempre, o transporte público de massa. O que é transporte público de massa? Não é ônibus, é metrô, trem, barca.

Os modais de transporte precisam aparecer em um grande mapa que esteja na sala do gestor público, para que ele visualize a deficiência de transporte em determinada área da cidade que está crescendo e precisa promover transporte.

IHU On-Line – Como o senhor vê a proposta do governo de construir um metrô? Qual a relação custo/benefício da obra?

André Trigueiro – O metrô em cidades já construídas é mais caro, porque tem o custo da desapropriação, a linha tem que passar e quem estiver pela frente pode pagar o pato. Tem o custo de ter a rede subterrânea da cidade, ou seja, são adutoras, transporte de água, esgoto, redes pluviais.

Existem lugares em que não precisa fazer o metrô subterrâneo, pode fazer o metrô de superfície e bingo, pois existe uma enorme rede de trilhos, de linhas férreas sucateadas no Brasil. Então, é possível aproveitar o que já existe dentro da região metropolitana, como em São Gonçalo, a segunda cidade mais importante do estado do Rio de Janeiro.

O mais importante é que chegamos a um ponto em que não é opção ter metrô; ele é fundamental, porque é o meio de transporte que irá reduzir, no longo prazo, a bomba relógio do crescimento desordenado das cidades e das suas frotas automobilísticas. Metrô é o caminho mais inteligente e urgente, seus investimentos estão demandando mais urgência hoje nas grandes cidades brasileiras.

(Envolverde/IHU – Instituto Humanitas Unisinos)

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ENTREVISTA: René Burri: o fotógrafo que viu

Brasília nascer

René Burri na exposição "Le Corbusier", Museum Bellerive em Zurique, 2010.

René Burri na exposição “Le Corbusier”, Museum Bellerive em Zurique, 2010. (RDB)
  • Por Alexander Thoele, swissinfo.ch

René Burri, veterano fotógrafo da agência Magnum e reconhecido internacionalmente, dentre outros, pela imagem do jovem Che Guevara, lança um livro com imagens inéditas de Brasília, que acompanha através de várias viagens desde 1958.

Porém seu trabalho não destaca apenas as linhas arquitetônicas da capital brasileira, mas as pessoas que estão por trás dessa obra do século. É o que explica em entrevista swissinfo.ch.
Um mito vivo da fotografia não poderia estar sem ela. René Burri chega ao Museu das Formas (Museum für Gestaltung) em Zurique com a sua “Leica” a tiracolo, cachecol branco de seda em volta do pescoço e um chapéu negro. “É o meu terceiro olho”, brinca o suíço ao mostrar a pequena câmara. “Estou sempre com ela.”

Sua assistente tira da bolsa o livro que acaba de lançar. Suas 226 páginas estão ricamente ilustradas com muitas fotos em preto e branco, mas também coloridas. Alguns recortes de revistas mostram que elas foram publicadas nos mais diferentes continentes, seja Ásia, Europa ou América.

Burri termina de fumar seu charuto, um hábito que tem desde sua primeira visita à Cuba. Ele tira o selo dourado com a inscrição “H.Upmann, Habana, Cuba” e cola na primeira página do livro. Depois escreve a dedicatória, incluindo a frase “Hasta La Victoria sempre”. O suíço dá então uma sonora gargalhada. A entrevista pode começar…

swissinfo.ch: Qual a impressão mais forte que o senhor teve de Brasília?

René Burri: Para mim Brasília era uma utopia que se transformou em realidade. Era uma cidade que saiu do nada em poucos anos. Existe uma foto no meu livro…ela mostra uma família que chega ao final (Burri folheia o livro para encontrá-la). Eu tive de chorar quando vi essa imagem (ver na galeria de fotos na coluna da direita). Eram os chamados “candangos”, não? Ele chegou com um machado e chapéu de palha e, no final, quando o trabalho estava pronto, levou a mulher e os filhos com suas melhores roupas para ver o seu trabalho. E depois era a inauguração e esse pessoal teve de partir.

swissinfo.ch: Brasília comemorou seu 50° aniversário no ano passado. Por que o livro “Brasília – fotografias de 1958 a 1997” só foi publicado agora?

R.B.: A razão é que começamos muito tarde com o trabalho. O meu amigo, o professor Arthur Rüegg (arquiteto e professor da Escola Politécnica de Zurique – ETH), com quem já havia trabalhado no livro sobre Le Corbusier, esteve no ano passado em Brasília. Lá ele encontrou o embaixador da Suíça e sugeriu realizar uma exposição de fotos. O embaixador me ligou e disse que gostaria de fazer – e eu concordei – mas logo retrucou, afirmando que não tinha nem dinheiro ou lugar para expor as fotos. Então, apesar do jubileu de Brasília já ter ocorrido no ano passado, comecei a selecionar as fotos de Brasília – e eu tinha muitas delas, que foram publicadas em revistas como a “Paris Match” ou na “Manchete” do meu amigo Adolfo Bloch, por ocasião da inauguração, mas também uma grande quantidade de material ainda não publicado.

swissinfo.ch: Qual é o objetivo do livro?

R.B.: Percebemos então que havia a possibilidade de reconstruir o nascimento de uma cidade com fotos daquela época até os dias de hoje. O editor ficou muito animado. No livro estão as imagens publicadas na revista Manchete, mas também fotos dos anos 1990. No conjunto, elas mostram as transformações vividas por Brasília, onde estive quinze vezes.

swissinfo.ch: Um dos seus trabalhos fotográficos mais famosos foi realizado com o arquiteto francês Le Corbusier. Ao ver Brasília pela primeira vez, o senhor a considerou um espelho da sua obra?

R.B.: Não, o sentimento é de que algo novo estava acontecendo. Eu não posso dizer que havia me esquecido do Le Corbusier, pois durante dez anos sempre o visitei e fotografei, realizando depois o livro. Porém prefiro dizer que o Oscar Niemeyer era um jovem de Le Corbursier, mas que seguiu o ditado: um aprendiz tem de matar seu mestre, não com a faca, mas sim de forma mental, tentando ultrapassá-lo.

swissinfo.ch: Não foi um choque ver pela primeira vez Brasília, com seus blocos de concreto no meio da savana?

R.B.: Eu não sou um típico suíço. Sempre quis ir além das montanhas. Eu amo a Suíça, sempre volto para cá, mas é preciso sair do seu meio. Existe o ditado que diz que ninguém é profeta no seu próprio país. Eu sempre subi nas montanhas para conquistar o mundo. Se eu vivesse há 250 anos acho que teria sido um mercenário.

swissinfo.ch: Como o senhor acompanhou as mudanças de Brasília nesses últimos cinquenta anos?

R.B.: Como as outras coisas também. Eu ainda amo a humanidade. Eu vivi muitas coisas horríveis durante guerras, mas continua achando que a humanidade é capaz de fazer grandes coisas, mas terríveis também. Eu me lembro de quando era criança e gostava de brincar nos parques em Zurique fazendo castelos de areia. E sempre quando o castelo estava pronto e bonito, vinha outra criança e destruía tudo: inconscientemente percebi que existem pessoas que querem construir – e tem utopias – e outros, que por alguma razão, querem destruir.

swissinfo.ch: Brasília tem hoje 2,5 milhões de habitantes e problemas típicos de cidades grandes como congestionamento e criminalidade. O que sobrou da utopia?

R.B.: Brasília mudou assim como em todo o mundo. Hoje existe a propaganda, a especulação, o capitalismo e a globalização – tudo está incluído. Porém no início havia uma ideia como a desenvolvida pela escola Bauhaus em Weimar. Depois chegou um sujeito chamado Hitler e expulsou todas essas pessoa. Eu sempre digo que é como uma roda que gira de forma permanente. Não é possível freá-la. A humanidade progride, mas também coisas terríveis se desenvolveram.

swissinfo.ch: Tradicionalmente as fotos de Brasília destacam só sua arquitetura. Por que se vê tanta gente nas fotos de René Burri?

R.B.: Talvez isso venha da minha formação. Eu cresci em um meio bastante humilde. Minha mãe era uma pessoa com um grande coração, o que irritava a mim e a minha irmã. Às vezes a gente recebia pessoas no meio da noite e elas recebiam um prato de sopa. Na época da guerra recebíamos também presos de guerra nos finais de semana. Mas essa fraqueza pessoal da minha mãe acabou se transferindo para nós. E então, quando estava em algum lugar do mundo, onde podia encontrar pessoas terríveis como ditadores, eu dizia para mim mesmo que era necessário manter distância. Afinal, as pessoas querem sempre esclarecer, mostrar ou esconder.

swissinfo.ch: E um fotógrafo precisa mostrar o que está por trás da fachada?

R.B.: Eu gostaria de ser mais preciso. No início pensava ir sair pelo mundo para tirar fotos e depois trazê-las de volta. Minha intenção era mostrar coisas que ninguém conhecia, pois não existia televisão e o mundo não era tão explorado, com exceção das partes que haviam sido colonizadas por europeus, em primeira linha. O que vivi foi a descolonização na Ásia, como vi na China. Nessa época, o Brasil estava para mim como “hibernando”. E assim, eu pensava que quando retornasse, poderia mudar o mundo, mas isso é naturalmente impossível. Porém ainda acredito – como eu vivi na profissão – que se trouxermos de volta ideias, é possível mudar as pessoas ou a visão que as pessoas têm das coisas. O que hoje acontece é o medo que temos de outras pessoas que não conhecemos. Nesse sentido, ainda tenho o sentimento que algumas das minhas imagens podem construir pequenas pontes entre as pessoas.

swissinfo.ch: Como trabalha um suíço com a fotografia? Afinal, esse é um país marcado pelo protestantismo, onde se abominaram as imagens e as emoções no passado?

Também sou originário dessa Zurique protestante, mas de alguma forma isso acabou me ajudando a saber reduzir coisas. No meu interior sou uma pessoa extremamente barroca, um terrorista de certa forma. Isso não na sua forma negativa, mas no fato que eu sempre questionei a época e o meio que me cerca. Talvez essa nova objetividade que vinha de artistas alemães e que aprendi na escola que estamos falando (Escola de Arte e Forma de Zurique) – apesar de ter sido tanto duro, pois se expressava na redução – me ajudou bastante. Quando comecei a sair pelo mundo, eu não desesperava, mas sabia como lidar com bastante cuidado com o pouco que havia disponível.

Quando fui à América do Sul e encontrei a equipe de quatro ou cinco pessoas que, em equipe, criou em quatro anos uma cidade, foi uma das experiências mais marcantes que tive na vida.
Alexander Thoele, swissinfo.ch

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Educação ambiental: uma ação participativa

01.02.2.011

Por Júlio Santos, da Agência Ambiente Energia

Apesar das iniciativas de empresas, governos e uma série de entidades voltadas para a educação ambiental (EA), um sentimento fica bem nítido para quem vive o dia a dia da questão: falta uma maior coordenação das ações e programas para que os resultados sejam mais sólidos e produtivos. Atrás de mais eficácia na adoção das medidas e do fortalecimento das políticas públicas, um grupo de profissionais e militantes da área colocam em prática o primeiro fundo brasileiro voltado para a questão. A partir deste ano, o Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA) começa a fomentar ações, projetos e programas de EA.

O FunBEA é uma associação civil sem fins lucrativos. Por ser um fundo público não-estatal pode atuar em espaços e nichos onde os fundos de governo atualmente não atuam, apoiando iniciativas do campo da EA com maior agilidade, com menos burocracia e com maior rigor de monitoramento. O fundo, já em fase operacional na Universidade de São Carlos, está  com consulta públicaaberta para a elaboração o seu estatuto social, até o dia 1º de março.

“O momento atual exige uma profunda reflexão de cada um de nós que tem algum envolvimento com a construção de sociedades sustentáveis. Precisamos coordenar ações para avançarmos na perspectiva de uma Educação Ambiental permanente, continuada, articulada e construída com a totalidade das populações do país. É necessário o engajamento em um processo de radicalização da construção da política pública de EA no Brasil”, diz o FunBEA.

Desta entrevista, por e-mail, à Agência Ambiente Energia, participaram Alexandre Rossi (UFSCar); Haydée Torres de Oliveira (UFSCar); Isabel G. P. Dominguez (prrefeitura municipal de São Carlos/CMAm); João Paulo Soterro (Fundo Florestal Brasileiro); Marcos Sorrentino (ESALQ/USP); Rachel Trajber (MEC); e Semíramis Biasoli (OCA/Laboratório de Educação e Política Ambiental/ESALQ-USP).

Da Agência Ambiente Energia – Como surgiu a ideia de criar o Fundo Brasileiro de Educação Ambiental?

FunBea – A ideia da criação de um fundo próprio para o financiamento da Educação Ambiental (EA) reflete a experiência cotidiana de mais de três décadas de projetos desenvolvidos por profissionais e militantes da área, diante dos desafios jurídicos e operacionais para o fomento da EA. Há também a percepção de uma grande pulverização de recursos, utilizados em projetos dispersos. Se esses recursos estivessem em um Fundo, permitiria a articulação com uma rede de projetos, uma maior vinculação com políticas públicas e, consequentemente uma maior abrangência e eficácia.

O FunBEA é um fundo de interesse público, não-estatal (um fundo privado), para financiar ações estruturantes de EA que fortaleçam as políticas públicas na área. Além disso, um fundo público não-estatal poderá captar recursos junto à iniciativa privada, grandes ONGs e organismos internacionais, fontes de recursos que raramente são destinados aos fundos estatais. Esta iniciativa é de um grupo de profissionais e militantes, ligados a Universidades, ministérios e secretarias de Meio Ambiente e da Educação dos governos federal, estaduais e municipais, empresas, associações de cidadania e profissionais atuantes em diferentes coletivos de educadoras e educadores ambientais no país.

Da Agência Ambiente Energia – Quais são os pilares do fundo?

FunBEA – As principais características do FunBEA são: ser público, ágil e transparente; criar territórios educadores sustentáveis; e pautar-se pela Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) e pelo Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis da Rio 92. O FunBEA é uma associação civil sem fins lucrativos. Por ser um fundo público não-estatal pode atuar em espaços e nichos onde os fundos de governo atualmente não atuam, apoiando iniciativas do campo da EA com maior agilidade, com menos burocracia e com maior rigor de monitoramento.

Por meio da participação crítica, do exercício do controle social pelo diálogo intersetorial junto à instituição e de mecanismos de descentralização que diminuam a burocracia e ampliem a transparência sobre os recursos e sobre as formas de participação, inclusive nas suas tomadas de decisão. Outra característica importante é que este fundo deverá promover e fortalecer políticas públicas de sociedade, com especial atenção aos Coletivos Educadores em sua missão de formação de cidadãos e cidadãs preparados e atuantes, capazes de formular, consolidar e avaliar políticas públicas para a construção de Territórios Educadores Sustentáveis.

Da Agência Ambiente Energia – Por que o fundo tem a Universidade de São Carlos como incubadora?

FunBEA – A incubação do Fundo por meio de Projeto de Extensão da UFSCar está ligada ao fato de ser uma proposta ousada e desafiadora em termos de gestão de políticas públicas, vistas não somente como políticas de governo, portanto, também alinhada com uma abordagem participativa e colaborativa. A proposta inédita foi acolhida pela reitoria da UFSCar, tendo em vista a sua história de inovação e compromisso social. Assim que o Fundo estiver estruturado, essa universidade será mais uma das instituições participantes, por meio de seu corpo funcional e estudantil motivado por essa causa tão essencial.

Da Agência Ambiente Energia – Como será a forma de atuação do fundo?

FunBEA – De acordo com a proposta de Estatuto em construção:1) O FunBEA adotará um Regimento Interno, aprovado pelo Conselho Deliberativo, que disciplinará o seu funcionamento; 2) A gestão do Fundo será feita por meio de Conselhos (Deliberativo e Consultivo), comissões (de Finanças, Auditoria e Técnicas), um Comitê Executivo, uma Presidência do Conselho Deliberativo e uma SecretariaExecutiva; 3) Suas instâncias deliberativas terão representantes de setores governamentais, não governamentais, empresariais e universitários; 4) Serão financiados preferencialmente projetos que contribuam para a formulação, avaliação e implantação de políticas públicas em todo o campo da Educação Ambiental; 5) Os seus conselhos, comissões e comitê serão orientados pelo diálogo com as instâncias da sociedade (as Redes de EA e os Coletivos Educadores, entre outros) e do estado (o Órgão Gestor da PNEA, seu Comitê Assessor e as CIEAs, por exemplo) responsáveis pela formulação e implantação de políticas públicas na área.

Da Agência Ambiente Energia – Que mecanismos o fundo adotará para captar recursos para financiar novas iniciativas?

FunBEA – Existem procedimentos específicos para captação de recursos nacionais e internacionais junto ao setor governamental e não governamental. Serão elaborados planos estratégicos de captação de recursos adequados aos organismos financiadores, os quais deverão ser aprovados pelos órgãos de gestão do FunBEA. O Fundo poderá receber tanto doações de pessoa física, quanto de pessoa jurídica. Cada projeto e programa gerido pelo FunBEA terá sua governança definida em contrato, além dos manuais operacionais detalhados.


Da Agência Ambiente Energia – Quando o fundo estará, efetivamente, operacional?

FunBEA – O FunBEA já se encontra em operação, respaldado nesta primeira etapa na incubação propiciada pela Universidade Federal de São Carlos, o que já permite operacionalizar algumas ações, inclusive com aportes de recursos dos parceiros apoiadores. Para o seu pleno funcionamento, estamos na fase da consulta pública para o Estatuto FunBEA. As contribuições poderão ser feitas no bloghttp://consultafunbea.blogspot.com, até 1º de março e sua aprovação está prevista para 5 de abril, em São Paulo, capital, em uma das Unidades do SESC-SP. Em seguida teremos uma primeira assembléia ordinária do Conselho Deliberativo, a construção do Regimento Interno, e o início da captação de recursos para editais. O início do funcionamento de fomento a ações, projetos e programas de EA está previsto para 2012.

Da Agência Ambiente Energia – Empresas, governos nas três esferas e outras entidades têm iniciativas na área de educação ambiental? Como os senhores avaliam este quadro no Brasil?

FunBEA – Elas são importantes, mas estão muito aquém das demandas apresentadas pelo atual contexto planetário. Estamos longe de corresponder às demandas de um país tão plural, gigantesco e complexo não só em tamanho e diversidade, mas também em questões socioambientais. O momento atual exige uma profunda reflexão de cada um de nós que tem algum envolvimento com a construção de sociedades sustentáveis. Precisamos coordenar ações para avançarmos na perspectiva de uma Educação Ambiental permanente, continuada, articulada e construída com a totalidade das populações do país. É necessário o engajamento em um processo de radicalização da construção da política pública de EA no Brasil.

Da Agência Ambiente Energia – As iniciativas parecem muito descasadas, os senhores não acham?

FunBEA – Como dissemos logo na primeira resposta, ao invés de termos uma grande diversidade de ações articuladas e potencializadoras de transformações; percebemos, ao contrário, uma pulverização de projetos pontuais e dispersos que desaparecem sem deixar lastro. O papel do FunBEA deverá ser o de indutor de políticas públicas que promovam  sinergia entre essas iniciativas. É importante e necessário ter políticas públicas que compatibilizem e integrem as ações de EA e que não as pulverizem, e criar condições interinstitucionais para que os recursos na área sejam mais bem aproveitados. A definição de prioridades de financiamento para projetos que estejam sintonizados com as políticas nacional, estaduais e municipais de EA, definidas em foros amplos e representativos de todas as forças que atuam nesse campo, deve cumprir também um papel de estímulo à ação cooperativa no planejamento, implantação e avaliação de políticas públicas e projetos políticos pedagógicos em cada território deste imenso país.


Da Agência Ambiente Energia – Quais são os desafios jurídicos e operacionais para o fomento desta iniciativa no Brasil?

FunBEA – Os desafios jurídicos podem ser sintetizados na relação entre o caráter inovador da proposta e o conjunto de marcos jurídicos aplicáveis. Enquanto desafios, os operacionais estão em nossa capacidade de constituirmos uma estrutura e uma gestão que sejam ao mesmo tempo leve e eficiente; equipe tecnicamente competente e conceitualmente capaz; e, sobretudo, comprometida com a construção de territórios educadores sustentáveis. Buscaremos fomentar políticas, programas e projetos que promovam o fortalecimento local e capilarizado da EA, mas de forma coordenada e cooperativa. Necessitaremos, ao mesmo tempo, da força de uma instituição sólida, com comando e controle firme, transparente e participativo e do dinamismo de uma instituição flexível, descentralizada, monitorada e com o seu controle social forjado a partir da base.

Necessitaremos captar e administrar recursos oriundos de distintas fontes governamentais, não governamentais, empresariais e de organismos internacionais e ao mesmo tempo, dialogar com as peculiaridades dos atores diversos da EA, que fazem atividades extremamente significativas e muitas vezes não cumprem os pré-requisitos definidos pelas fontes de recursos. Acreditamos que o campo da EA é um campo emergente e forte, com condições de captar recursos: a EA só terá um avanço maior se trabalhar com gestão compartilhada – federal/estadual/municipal e todos com a sociedade civil organizada. Para evoluirmos temos que ter o financiamento da EA que tem o estado junto com os demais atores sociais, que não burocratiza, e que dialoga na carteira de EA dos demais fundos – esta arquitetura tem que ser construída.

Da Agência Ambiente Energia – Que avaliação os senhores fazem da Política Nacional de Educação Ambiental?

FunBEA – Ao considerar o tempo decorrente de sua vigência (a formalização da lei nacional ocorreu em 1999; foi regulamentada em 2002 e implementada a partir de junho de 2003 com a criação do seu Órgão Gestor), constata-se que permanece uma Política em consolidação, para a qual o FunBEA terá sua contribuição.

Uma leitura critica do seu texto já mostra nos seus primeiros artigos, uma concepção da EA reducionista voltada para a conservação ambiental. Uma das suas lacunas, constatada por gestores e diversos atores da área, está no campo do financiamento da EA – são insuficientes os financiamentos e recursos públicos inclusive para órgãos públicos fazerem EA. O Artigo 18 da Lei de 1999 foi vetado, evitando, assim, que pelo menos 20% dos recursos arrecadados em multas decorrentes por descumprimento da legislação ambiental sejam aplicados em EA. Seria melhor que estivesse prevista esta fonte garantida.

Iniciativas como uma Rede de Fundos que financiam projetos de EA são promissoras, mas enfrentam os avanços e retrocessos das políticas governamentais. Neste sentido, um fundo público, não estatal, pode cumprir um papel complementar, supletivo e talvez de criação de alternativas às dificuldades enfrentadas pelo Estado no atendimento ao fomento da EA.

Outra questão emergente na PNEA diz respeito à EA como disciplina: se no ensino fundamental não deve ser uma disciplina, e isto tem se tornado um consenso; no ensino superior ainda carece regulamentar como deve ser obrigatória a sua presença, porque a EA não vai surgir no ensino fundamental de forma espontânea, inclusive quanto à formação de professores.

Outra questão que pede reflexão diz respeito ao Decreto regulamentador da PNEA e que define o caráter consultivo do Comitê Assessor do Órgão Gestor. Poderia ser mais determinante nas deliberações? Para o gestor pode ser difícil ter o seu poder de deliberar dividido com um comitê, mas para a sociedade é importante comprometer estas instituições na tomada de decisões, como comprometendo-os sem amarrar o seu funcionamento.

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22.01.2.011

Entrevista do jornalista Mayron Régis para Tina Kleiber da ASW- Agência de Cooperação Alemã

·     Como é a situacão de desmatamento/ degradacão da floresta e dos recursos naturais atualmente na região onde o Fórum Carajás atua? Como é especificamente nas comunidades Quilombolas?

Boa parte das matas nativas do Maranhão e do Pará já foram desmatadas para a criação de gado, para as madeireiras e para as siderurgicas. No caso da amazônia são 60% no Cerrado 40%.
No caso das comunidades quilombolas elas geralmente ocupam partes mais distantes dos centros urbanos. Há algum tempo atrás os antigos proprietários os viam como parte das suas propriedades. Podia ser que quando um desses proprietários deixasse a propriedade para a comunidade quando morria, mas o que acontece com frequência é o proprietário vender a maior parte da propriedade e deixar alguns hectares para os quilombolas. Se formos rigorosos o estado do Maranhão é um quilombo imenso. O Maranhão junto com a Bahia possui a maior população negra do Brasil e essa população mora em boa parte na zona rural.No caso do Baixo Parnaiba, temos exemplos de Bom Sucesso em Mata Roma e Saco das Almas em Brejo que são reconhecidas como terras quilombolas, mas os antigos proprietários ou os próprios moradores venderam suas terras para plantadores de soja ou para a Suzano . Boa parte dessas áreas já estão desmatadas. A Suzano Papel e Celulose é uma empresa que produz cellulose a partir do eucalipto. Possui areas em São Paulo,Bahia, Piaui e Maranhão. Ela desenvolve umprojeto de reflorestamento de quase 500 mil hectares no Maranhão e Piaui. A razão disso é que as terras nesses dois estados são mais baratas e no Cerrado pode se desmatar até  80%.

·         Porque estao fazendo projetos de reflorestamento justamente nas comunidades quilombolas? Qual o resultado que se espera? Quais experiencias ja tem?

Por várias razões. Isso é uma questão cultural. Caso que se perca a história dessas comunidades o Maranhão perde sua identidade. São as comunidades mais afetadas do ponto de vista sócio-ambiental. São comunidades com pouco acesso a educação e a inovações tecnológicas. O meio ambiente acaba sendo o suporte para essas comunidades. Com o desmatamento e com a contaminação por agrotóxicos essas comunidades perdem geração de renda e qualidade de vida

O resultado que se espera é que mantenham suas tradições – tradições culturais e sociais – o quilombo de bom sucesso tem o tambor de crioula e não vendam suas terras. Experiências temos em Bom Sucesso, Mata Roma, e São Raimundo, Urbano Santos. Projeto de educação ambiental em Mata Roma e de manejo de bacuris em Urbano Santos.

·         Que tipo de dificuldades vocês encontram? Quais as necessidades de apoio para os quilombolas enquanto á mudanca climatica, desmatamento, degradacão dos recursos naturais?


Falta de recursos financeiros e humanos. O melhor apoio seria a formação de técnicos voltados para a questão quilombola. Justamente isso. Os técnicos fariam o inverso. Muito desses financiamentos são pacotes técnicos que obedecem a uma lógica economicista de que a comunidade deve produzir determinados alimentos não para eles e sim para outros mercados. Tem um exemplo de um assentamento em que os assentados foram orientados a cortar os bacurizeiros para plantar caju. A idéia de uma assessoria acompanha o cotidiano da comunidade em todos os seus aspectos. A Tijupá pode contribui muito com isso. A Associação AgroecológicaTijupá é uma ONG que trabalha com agricultores familiares da região do Baixo Munim.O seu trabalho é direcionado para valorização da agroecologia. Tanto o Fórum Carajás como a Tijupá vêem o seguinte do que adianta a comunidade plantar vários hectares para vender na sede do município ou para um atravessador se eles não se  alimentam bem.Então, primeiro a comunidade planta para si.

·         Enquanto as experiências de apoio aos comunidades de produtores extrativistas do Bacuri, de que forma pode isso ser uma estratégia contra as grandes empresas de celulose/ eucalipto?

Se do ponto de vista étnico o Maranhão é um grande quilombo, do ponto de vista ambiental o Maranhão é um grande bacurizal. O bacuri pode ser encontrado em quase todo o Maranhão e serve para muita coisa desde a alimentação, cosméticos, remédios e para a proteção dos solos e dos recursos hidricos. Essas qualidades servem de contraponto a monoculturização do eucalipto e da soja. Talvez de todas as frutas nativas o bacuri tenha o maior potencial de comercialização. Nesse momento se vende o quilo da polpa a quinze reais. O problema é guardar a polpa o ano todo. As comunidades precisariam comprar freezers e a energia elétrica deveria ser fornecida a contento. Não há um preço mínimo como o babaçu e o açaí. Diferente destes dois o mercado externo ainda não descobriu o bacuri o que obrigaria o governo federal a ditar regras de comercialização.

. Que medidas/ recursos juridicos estao abertos contra as grandes empresas, quais as experiencias do Forum no trabalho com as comunidades até agora?

No caso do Fórum Carajás trabalhamos bem pouco com recursos judiciais, mas a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos vem acompanhando as ações de titulação de terra junto ao Incra e o Iterma, ações civis públicas movidas pelo minstério público. O Minsitério Público Federal iniciou uma ação civil pública contra o licenciamento da Suzano no baixo Parnaiba. O Fórum Maranhense de Segurança Alimentar entrou com uma ação contra o licenciamento da Suzano na região de Imperatriz. A Tijupá atua pouco nessa área.

Por: Tina Kleiber
www.aswnet.de

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“Devemos acelerar a luta contra o aquecimento do planeta”

Em cada quilo de CO2 liberado na atmosfera, de 200 gramas permanecem suspensos até mil anos.

Em cada quilo de CO2 liberado na atmosfera, de 200 gramas permanecem suspensos até mil anos. (Ex-press)

Por Jessica Dacey, swissinfo.ch


No fim do mês começa a Conferência da ONU sobre o Clima, em Cancún, que pretende reduzir as emissões de CO2.

Enquanto isso, os políticos ainda estão relutantes em cortar as emissões de gases de efeito estufa que se acumulam na atmosfera durante séculos. Entrevista com o especialista suíço Fortunat Joos.

 

Para o responsável do Centro Oeschger de pesquisas sobre Mudanças Climáticas, em Berna, o mundo deve absolutamente “acelerar o passo” na luta contra o aquecimento global.

A Conferência de Cancún vai discutir medidas a serem tomadas, incluindo a redução das emissões de CO2, o financiamento para o controle do clima e o futuro do Protocolo de Kyoto.

swissinfo.ch: Quais são atualmente os principais obstáculos na luta contra o aquecimento global?

Fortunat Joos: Para responder aos problemas climáticos, é necessário reduzir drasticamente e imediatamente as emissões de combustíveis fósseis. Os políticos e as pessoas mostram pouco interesse em tomar a decisão de agir. Alguns dos mais importantes países nem se quer se comprometem ou se recusam a reconhecer o problema. Os lobbies são muito fortes em semear a confusão entre o público. Além disso, a dificuldade de mudar de hábitos é típico da natureza humana.

swissinfo.ch: A pesquisa sobre mudança climática é suficiente?

FJ: Alguns fatos básicos são conhecidos há décadas ou mesmo séculos. Por outro lado, os sistemas terrestres são muito complexos. Há ainda muito a aprender sobre as interações e as reações do sistema climático, bem como o impacto da mudança na acidez dos oceanos causado pelas emissões de CO2.

Há um ponto que interessa muita gente e ainda está longe de ser esclarecido, que é compreender quantitativamente e com precisão os efeitos das mudanças climáticas a nível regional e para cada indivíduo. Para isso, temos que continuar pesquisando ainda mais.

 

swissinfo.ch: Com o Programa Nacional de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas e dois institutos de pesquisa, a Suíça está suficientemente equipada para desempenhar um papel decisivo na pesquisa interdisciplinar?

FJ: Tradicionalmente, a Suíça é um bastião de pesquisa nesta área. Nós colaboramos nos esforços internacionais e em novos projetos. Em termos da qualidade científica da Suíça, sei que temos um bom desempenho.

Mas, ao mesmo tempo, eu acho que nós também precisamos ser cautelosos. O Programa Nacional de Centros de Competência (PNR) “Clima – Variabilidade Climática Previsibilidade e Riscos Climáticos” terminará em 2013 e, infelizmente, não existem planos para o futuro. Isso é preocupante porque, apesar da existência do centro climático de Zurique e do Centro Oeschger aqui em Berna, precisamos também de coordenação nacional para avançar.

swissinfo.ch: O Senhor acha que o processo estabelecido pelas Nações Unidas, ajuda ou atrapalha a luta contra a mudança climática?

FJ: As emissões devem ser reduzidas localmente em todos os lugares. Incentivos e regulamentação devem vir de diferentes níveis, tais como as comunidades, cantões ou Confederação. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima é um protocolo muito forte e eu acredito que ela define muito bem os objetivos e a direção a ser tomada.

Este protocolo exige principalmente a estabilização dos níveis das emissões de gases de efeito estufa para combater os perigos da mudança climática. Sua implementação é atualmente difícil, mas a nível internacional não vejo outra maneira de proceder. Esse processo também deve ser apoiado em outros níveis.

swissinfo.ch: O Senhor acha que será possível chegar a um acordo?

F.J.: Claro. Há sinais de que as coisas estão indo na direção certa e as pessoas estão percebendo que a luta contra as alterações climáticas é também uma oportunidade. Normalmente leva décadas para mudar a opinião pública e iniciar uma verdadeira mudança. O processo começou em 1980 e 1990 e vai demorar ainda mais.

swissinfo.ch: Será que temos tempo? A impressão é que temos de agir rapidamente …

F.J.: Sim, eu concordo. O sistema climático implica uma enorme inércia: hoje, quando emitimos um quilo de CO2, 200 gramas ficam suspensos na atmosfera durante mil anos. Por isso essa urgência em acelerar o passo. Temos que inverter esse processo, e rápido. Se não o fizermos e se continuarmos no ritmo atual, é provável que o aquecimento global aumente em vários graus até o final do século.

swissinfo.ch: O acordo sobre uma visão a longo prazo, a redução das emissões dos gases de efeito estufa, a adaptação ao aquecimento, o financiamento do controle do clima e o futuro do Protocolo de Kyoto … o que o Senhor acha dos tópicos da agenda de Cancún?

FJ: A nível internacional, temos acima de tudo que implementar medidas para reduzir as emissões de CO2 e de outros gazes causadores do efeito estufa e estabelecer metas mais rigorosas. É claro que é necessário compartilhar a mesma visão para alcançar esse objetivo a nível mundial. Também temos de encontrar financiamento para que os países menos desenvolvidos possam implementar essas medidas e ao mesmo tempo, temos também de encontrar formas de adaptação às alterações climáticas em curso.

Eu realmente espero que as reduções das emissões serão implementadas a tempo. Pessoalmente, duvido que cheguemos a resultados concretos em Cancún, porque vários países preferem esperar até o último minuto para chegar a um acordo. Ora, o Protocolo de Kyoto expira em 2012.

swissinfo.ch: Como o Senhor responde aos céticos que relativizam a importância do aquecimento global?

FJ: Nós perturbamos o sistema climático de maneira muito rápida e intensa. Isso não é invenção dos cientistas, mas o resultado do que foi medido. Temos dados que mostram que as concentrações de gases de efeito estufa estão aumentando, que o “orçamento” energético da atmosfera está mudando e que o planeta está se aquecendo. Centenas de milhares de medições nos permitiram saber o tempo gasto pela absorção química do CO2 pelos oceanos. A mudança climática é real e está aí.

 

Jessica Dacey, swissinfo.ch
(Adaptação: Fernando Hirschy)


“O rio Xingu, uma das pérolas do planeta, com Belo Monte, está perdido”

ENTREVISTA COM OSVALDO SEVÁ

Uma semana em Altamira-PA nessa época do ano pode render dois pontos de vista. Como é o período de seca, que o povo chama de verão, as famílias sobem o rio Xingu procurando as praias que surgem com o rio mais baixo, acampam, comemoram as férias. Se vê uma cidade mais descansada e vazia, quase sem preocupações. Dois outdoors à beira do Xingu anunciam que ali será construída uma das maiores hidrelétricas do mundo, Belo Monte.

Se andar pela cidade, também será possível ver pichações contra a obra e, então, pode-se perceber que todo esse clima tropical vai acabar e que há medo de que isso realmente aconteça. A IHU On-Line entrevistou, via Skype, o professor Oswaldo Sevá que, recentemente, passou alguns dias na cidade paraense.

“Pela primeira vez, fui para Altamira por minha conta e sem ter ligação com qualquer evento público que estivesse acontecendo lá nessa época. Fui como um cidadão qualquer durante o período de recesso escolar. Aproveitei para conhecer melhor a região”, explica.

Enquanto Sevá conta o que viu, é possível criar a imagem de um monstro destruindo o pouco que o povo da região tem. “Depois de Belo Monte, a água ficará parada e maior parte das praias ficarão abaixo da linha d’água.

Claro que podem ser construídas praias artificiais, mas a navegação será diferente, a água tenderá a ficar muito suja na região de Altamira, porque infelizmente a cidade não tem nenhum tipo de tratamento de esgoto, em alguns locais nem o lixo é coletado”, descreveu.

Oswaldo Sevá é graduado em Engenharia Mecânica de Produção pela Universidade de São Paulo. É mestre em Engenharia de Produção pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, e doutor pela Université de Paris I. Organizou três livros: Tenotã-Mõ. Alertas sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu (São Paulo: International rivers Network, 2005); Riscos Técnicos coletivos ambientais na região de Campinas, SP (Campinas, SP: NEPAM – Unicamp, 1997); e Risco Ambiental – Roteiro para avaliação das condições de vida e de trabalho em três regiões : ABC/SP, Belo Horizonte e Vale do Aço/MG, Recôncavo Baiano/BA (São Paulo: INSTY – Instituto Nacional de Saúde no Trabalho/CUT, 1992).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O senhor esteve recentemente em Altamira. Que novidades pode nos contar sobre a influência do projeto da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte na região?

Oswaldo Sevá – Pela primeira vez, fui para Altamira por minha conta e sem ter ligação com qualquer evento público que estivesse acontecendo lá nessa época. Fui como um cidadão qualquer durante o período de recesso escolar. Aproveitei para conhecer melhor a região. Passei uma semana lá durante um período que é muito importante para o povo do Pará.

Eles chamam essa época de verão porque é quando os rios começam a baixar e quase todo mundo sai em férias e vai para o litoral. É bem parecido com os nossos meses de janeiro e fevereiro, as praias ficam cheíssimas, os hotéis lotados em regiões turísticas.

Mas Altamira não é uma região turística. O período é de férias também. A cidade estava com um movimento bem abaixo do normal, justamente porque tem muita gente viajando. Do ponto de vista do rio, vemos que ele está mais baixo, começam a aparecer praias, ilhas e pedrais.

Em muitos locais do Xingu, o leito não é de barro, como estamos acostumados, é totalmente coberto de lajes de pedras. Nos finais de semana, principalmente em outubro, as pessoas saem da cidade de carro ou motocicleta ou voadeira, que é uma lanchinha com motorzinho, e atravessam o rio, sobem por 15, 20, 30 minutos rio acima onde há quiosques e campings. Famílias inteiras vão acampar, levam as crianças, a barraca, a churrasqueira. Parece que não há qualquer problema na região.

Brinquei com alguns amigos, antes de viajar, que estava indo aproveitar o rio Xingu antes que o destruíssem. De fato, se a obra for feita, toda a paisagem de Altamira mudará, assim como a relação das pessoas com o rio.

Depois de Belo Monte, a água ficará parada e maior parte das praias ficarão abaixo da linha d’água. Claro que podem ser construídas praias artificiais, mas a navegação será diferente; a água tenderá a ficar muito suja na região de Altamira, porque infelizmente a cidade não tem nenhum tipo de tratamento de esgoto. Em alguns locais não é nem coletado o lixo.

Se a represa for feita, a cidade será muito prejudicada, será uma espécie de Veneza equatorial. Uma parte de Altamira ficará de frente para o rio e a outra para vários arroios com água parada, recebendo toda a carga de esgoto, erosão e assoreamento das estradas e dos desmatamentos.

Contei tudo isso para que os leitores percebam que a transformação de um trecho de rio natural em represas altera definitivamente a história da cidade e das pessoas deste local. E isso representa uma perda muito grande de um potencial turístico, paisagístico, dos recursos pesqueiros e da alimentação do povo.

Não que nas represas não existam peixes, mas restringe as espécies, apenas uma ou duas espécies se proliferam, e isso tem fortes consequências econômicas que já são sentidas pelo povo.

Uma das atividades mais importantes que os pobres fazem na beira do rio é capturar um peixinho, do tipo cascudo, porém muito colorido, às vezes é prateado, dourado, listrado. É um peixe ornamental e que era exportado por preços caríssimos para outros países da América do Norte, Japão, Europa. A represa extinguirá essa prática porque esse tipo de peixe vive nos pedrais, em profundidades relativamente pequenas. O ambiente na cidade é muito estranho, você pode passar uma semana lá e não notar que existe uma expectativa muito grande a respeito da possibilidade de algum dia acontecer uma obra gigantesca. Há um outdoor lá da época em que o Lula fez uma visita; há também um outro outdoor dos comerciantes da cidade dizendo que atribuíram a ordem do mérito ao Lula. Porém, não há nada que diga exatamente o que é ou faça referência a Belo Monte.

Em compensação, tive a satisfação de ver pichado nos muros da cidade algumas frases contra a obra, como: “Fora Belo Monte”, “Belo Monstro”. E até uma coisa que me deixou muito emocionado na parede do Hospital Regional de Altamira, que é uma das maiores construções da cidade: uma garotada que é contra a obra escreveu “Belo Monte de mentiras”, que é exatamente o título de um artigo que eu publiquei na internet e foi muito divulgado no ano passado.

A gente sente que tem uma circulação imobiliária muito grande, muitas pessoas acham que vão enriquecer com o movimento da cidade. Há muitas construções novas, foi aberto mais um hotel na cidade. Há uma expectativa muito grande por parte da classe dominante local que são latifundiários, políticos ligados a todos os partidos nessas alturas, porque todos os partidos de esquerda, com exceção do PSOL, apóiam a obra e estão apostando que vão ficar ricos, que tudo vai melhorar para o lado deles.

Já a resistência está muito dividida. O governo tem feito muita pressão, assédio. Ouvimos histórias de grupos que, historicamente, eram contrários à obra e hoje em dia estão quietos ou passaram ostensivamente para o outro lado. Até os povos indígenas que vivem mais próximos da cidade estão divididos.

Se você quiser ficar uma semana em Altamira e não querer tomar conhecimento do projeto Belo Monte você consegue, mas se quiser ir para lá e sondar direito o que está acontecendo, apurar, investigar, conversar com as pessoas certas para ter uma ideia, você traz uma ótima reportagem.

IHU On-Line – Altamira tem capacidade de receber as pessoas que podem migrar para lá para trabalhar nas barragens?

Oswaldo Sevá – Nenhuma cidade tem capacidade de receber uma obra deste porte. Se forem fazer uma obra do porte de Belo Monte em Porto Alegre, a cidade também não terá capacidade de receber o tanto de gente que precisa para construir uma obra como essa. Historicamente, no Brasil, todas as cidades que foram “cabeça de obra”, ou seja, base de operações de uma obra grande, sofreram muito.

Se você for, atualmente, para Porto Velho e conseguir entrevistar alguém da cidade sobre o que está acontecendo em relação às obras das usinas no Rio Madeira, perceberá que a região se transformou num pandemônio em todos os pontos de vista.

Já era uma cidade com uma situação muito ruim, mal estruturada, deficiente em termos de infraestrutura viária, atendimento à saúde, áreas de lazer. É uma cidade com pouca vegetação (uma contradição, porque se localiza bem no meio da Amazônia), virada de frente para um rio enorme (que é o Rio Madeira), mas que poucos usufruem porque a região da orla fluvial é muito suja.

Porto Velho está vivendo um momento quase que de faroeste. A obra trouxe problemas sociais enormes por conta da população que tem que ser retirada à força dos locais onde mora. Como a obra de Santo Antonio fica localizada a poucos quilômetros acima da cidade, ela não atinge moradores da área urbana. No entanto, influencia diretamente a vida de várias comunidades e vilarejos. No caso de Altamira, a área urbana seria violentamente atingida.

Mesmo que não tivesse esse fluxo muito grande de trabalhadores, a construção forçará a retirada e a mudança de mais de 20 mil pessoas de uma cidade, ou seja, atingirá 20% da cidade. Se caso a obra acontecer, portanto, Altamira vai viver uma situação de calamidade e confusão.

IHU On-Line – Nessa região, hoje, como é o acesso à água e ao saneamento?

Oswaldo Sevá – Altamira sempre foi uma cidade muito mal resolvida, do ponto de vista do saneamento básico. Isso não tem a ver com Altamira em si, tem a ver com o Pará, com o Brasil, com a desigualdade social e econômica que existe e com o fato dos recursos públicos serem sonegados.

Além disso, muitas atividades econômicas que há no município de Altamira, na verdade, contribuem muito mais com os cofres estaduais e federais do que para com os cofres municipais. Veja bem, Altamira é um município que tem mais de duzentos quilômetros quadrados, ele é do tamanho do Rio Grande do Sul praticamente.

Imagina você administrar um município desse tamanho com uma única sede urbana. Existem localidades em que o prefeito precisa viajar três horas de avião pequeno para chegar. Se for fazer esse mesmo trajeto por terra, na época de chuvas, não vai chegar nunca e na época de seca demora dois dias.

IHU On-Line – Como o senhor vê a decisão dos povos indígenas da região de abandonarem o diálogo com o governo sobre Belo Monte?

Oswaldo Sevá – Deve ser o governo que está dizendo isso. Altamira está cheia de índios morando na cidade, de uma maneira pobre, miserável. Existem duas ou três terras indígenas que estão muito próximas da cidade, a poucas horas de barco. Mas a maioria das terras indígenas fica a dias de distância, nos afluentes do rio Xingu com o rio Ariri ou rio acima no meio do Pará ou até mesmo em Mato Grosso. Alguns desses povos estão batendo pé há mais de 20 anos dizendo que não querem e que são contra Belo Monte.

Em 2008, estive também em Altamira participando de uma reunião dos movimentos organizados contra Belo Monte. Foi convidado, indevidamente, em minha opinião, para esse evento, um representante da Eletrobrás.

Ele foi completamente inconveniente, pois provocou muito as pessoas, e um dos representantes do grupo de índios que mora perto de São Félix do Xingu quis dar um castigo no engenheiro e deixou uma cicatriz no braço dele para que nunca mais esquecesse o que aconteceu. Isso não quer dizer que tenham rompido o diálogo. Eles sabem que se Belo Monte for construído, o rio Xingu acabará, porque o governo vai fazer as outras quatro obras que está escondendo.

Os índios sabem, com toda razão, que o Xingu está perdido, embora seja uma das pérolas do planeta, que ainda tem sua bacia bastante preservada apesar do avanço da pecuária e do agronegócio. O governo, desde 1980, está insistindo num projeto inadequado, que nenhum banco se interessou em financiar, porque sabem que é um plano ruim e que não foi criado pelo governo Lula.

Este é um projeto que o governo Lula pegou de contrabando, pois é da turma do Fernando Henrique que faz a intermediação com grandes empresas internacionais e grandes empreiteiras. É uma obra muita arriscada em que o governo está colocando dinheiro público, que anunciada a 19 bilhões de reais, vai custar mais de 50 bilhões. Vai ser um dos maiores rombos que o povo brasileiro terá que pagar.

IHU On-Line – O governo afirma que a região da Usina de Belo Monte terá um plano de desenvolvimento sustentável. Isto é possível?

Oswaldo Sevá – Esse plano é uma mentira, uma falcatrua. Na verdade, eles contrataram professores, pesquisadores, especialistas e consultores de Belém para montar um plano regional de desenvolvimento sustentável, mas simplesmente compilaram uma série de rubricas orçamentárias que já existiam nos mais variados ministérios e secretarias do governo do Pará.

E transformaram tudo isso em um pacote só, batizando de Plano de Desenvolvimento Sustentável da região de Belo Monte. Isso aí é uma empulhação, não há dinheiro novo nem projetos novos que possam caracterizar esse plano.

O governo do Estado do Pará é um governo que arrecada pouquíssimo e que tem um volume de desvio de verba pública enorme. Ele não dá prioridade nenhuma para a região de Altamira, que não é uma cidade importante dentro do Pará a não ser do ponto de vista das eleições.

Se realmente houvesse um plano, nessas condições atuais, não seria de desenvolvimento sustentável. Seria, na verdade, um plano para fazer coisas que já eram para estarem prontas há muito tempo, por exemplo, o asfaltamento da Transamazônica entre cidade de Tucuruí, Novo Repartimento e Altamira. Isto possibilitaria que Altamira fosse ligada, por asfalto, até Belém, ou seja, quase 400 quilômetros.

Para você ter uma ideia: os ônibus que saem de Altamira e que vão para Belém nessa época do verão, que é uma época seca, demoram entre 18 a 24 horas dependendo do dia e do estado da estrada. Na época do inverno, que é quando chove muito, janeiro, fevereiro e março, ele pode não chegar ou demorar três dias.

O governo não entende nada de desenvolvimento sustentável, somente conhece o desenvolvimento capitalista avassalador que expropria pessoas e que aguçam as contradições sociais e econômicas.

Inserida por: Administrador fonte: Cimi

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ENTREVISTA :”Frei Henry Burin des Roziers”

“Minha vida vale 20 mil reais no Pará”, diz Frei Henry

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Pará e o Comitê Rio Maria divulgaram nota, no dia 22 de junho, denunciando a morosidade da justiça paraense e as manobras judiciais orquestradas para garantir a liberdade dos fazendeiros Valter Valente, Geraldo de Oliveira Braga e Jerônimo Alves Amorim. Os três são mandantes impunes de assassinatos contra trabalhadores rurais e líderes sindicais na região. Eles permanecem livres, pois os crimes, cujas ações judiciais tramitaram por mais de 20 anos, terminaram prescritos.

Em entrevista, o advogado da CPT, Frei Henry Burin des Roziers, explica e comenta estes casos, destaca as principais áreas de conflitos agrários na região e fala sobre sua atuação no estado desde a sua chegada, em 1990.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Pará e o Comitê Rio Maria divulgaram nota, no dia 22 de junho, denunciando a morosidade da justiça paraense e as manobras judiciais orquestradas para garantir a liberdade dos fazendeiros Valter Valente, Geraldo de Oliveira Braga e Jerônimo Alves Amorim. Os três são mandantes impunes de assassinatos contra trabalhadores rurais e líderes sindicais na região. Eles permanecem livres, pois os crimes, cujas ações judiciais tramitaram por mais de 20 anos, terminaram prescritos.

Em entrevista, o advogado da CPT, Frei Henry Burin des Roziers, explica e comenta estes casos. Para ele, a justiça paraense é muito bem alicerçada para cometer arbitrariedades, anulações e fazer vista grossa em benefício dos latifundiários do estado. O religioso também destaca as principais áreas de conflitos agrários na região e fala sobre sua atuação no estado desde a sua chegada, em 1990.

Brasil de Fato – Há quanto tempo o senhor está no Brasil e, especialmente, trabalhando no Pará?

Cheguei em 1978. Sou dominicano e vim para o Brasil visitar todas as comunidades dominicanas. Meu primeiro contato com a região Norte do país, mais intenso, foi quando fi z um estágio num curso da CPT: fui informado de que era uma região de conflitos agrários e que seria importante conhecer. Porém, fui morar no Pará mesmo em 1990, vindo de Goiás, mas quase não fiquei. Quis conhecer também os problemas de países como a Guatemala, onde tinha uma repressão terrível nos anos de 1990. Depois de quatro meses na Guatemala, decidi que fi caria por lá. Voltei ao Pará apenas para me despedir dos amigos da CPT e, de passagem comprada para retornar, aconteceu o assassinato do sindicalista Expedito Ribeiro de Souza [presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, município do sul paraense], em fevereiro de 1991. Ofereci-me para ficar e acompanhar o caso. Nesse momento, foi criado o Comitê Rio Maria – que se espalhou pelo Brasil e até pelo mundo para pressionar o andamento do processo – e passei a morar em Rio Maria. Dediquei-me tanto à causa que comecei a trabalhar com todos os assassinatos ocorridos na região, entre eles o do sindicalista João Canuto de Oliveira [morto em dezembro de 1985], colocando esses processos, antes parados, para andar e arrumando testemunhas que, inclusive, só iam depor porque confiavam em mim. Elas tinham muito medo de represálias dos fazendeiros e pediram que eu fi casse até a conclusão dos processos. E aqui estou até hoje, sem conseguir ainda prender ninguém, mas lutando para isso.

O assassinato de Expedito Ribeiro de Souza é um dos mais emblemáticos entre os divulgados na nota do dia 22?

Sim, pelo modo como a justiça paraense tratou a condenação do mandante, o fazendeiro Jerônimo Alves de Amorim, além de todas as ilegalidades que surgiram ao longo do processo, com a conivência do Tribunal de Justiça de Belém. A condenação de Jerônimo foi extremamente difícil. Um dos líderes da bancada ruralista no Congresso, o deputado federal Ronaldo Caiado [DEM/GO], dizia na imprensa que não aceitaria que “nosso companheiro Jerônimo” fosse preso. Assim, Jerônimo só teve sua prisão decretada em 1993. Mas, até 1997, ele passeava de camionete, carregado de pistoleiros fortemente armados, pelas ruas de Rio Maria, sorrindo. E isso com a prisão pedida. A justiça do Pará não tinha coragem de prendê-lo. Só depois de uma forte pressão internacional, quando fomos atrás do chefe da Polícia Federal de Brasília pedindo sua prisão, é que ele foi preso pela Interpol; e no México, num cruzeiro marítimo que fazia com sua mulher em 1999. Levado para Belém, Jerônimo permaneceu preso até 2000, quando começamos outra briga: marcar o seu julgamento. Foi outra tormenta, pois, quando marcavam a data, os jurados designados para o caso desistiam por medo ou porque eram comprados por Jerônimo. O julgamento quase não acontece porque ninguém queria participar. Então, apelamos para a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Reunimos-nos com o arcebispo dom Thomás de Alquino e fizemos uma campanha muito forte para o julgamento ser realizado. Por fim, com muito empenho, conseguimos. [Em junho de 2000,] Ele pegou 19 anos e seis meses de prisão em regime fechado. Mas, mesmo assim, Jerônimo coordenou de dentro da cadeia a criação de um clima de terror na região de Rio Maria e Xinguara [PA], quando sua fazenda começou a ser ocupada por trabalhadores rurais sem-terra. A “operação” resultou na morte de mais duas pessoas a seu mando. Em seguida, seus advogados pediram sua transferência para perto de sua família, em Goiás. Mesmo com ele respondendo a outros crimes no Pará, o Tribunal de Justiça de Belém, ilegalmente, aceitou o pedido. Pessoalmente fui ver o promotor do caso em Belém, indagando sobre essa transferência, mas o Tribunal de Justiça de Belém já tinha decidido e o caso passou à tutela do Tribunal de Justiça de Goiás. Lá, ele teve todas as mordomias, como autorização para ir a festas de família no interior do estado. Finalmente, o mais deprimente. Em 2001, Jerônimo já cumpria sua pena em prisão domiciliar graças a um atestado de doença que lhe foi dado após uma junta de médicos militares ter diagnosticado um glaucoma e um câncer de próstata e, em seguida, ter sido pedido pelos seus advogados um indulto por ter uma doença incurável. Porém, em nenhum lugar o laudo atestava que ele tinha uma doença incurável, que estava em fase terminal de sua vida. Por isso, o juiz de primeira instância negou, mas um desembargador, em dezembro de 2001, concedeu o indulto, após apenas um ano e meio preso. Ele está muito bem de saúde até hoje. Sabendo disso, ainda fizemos a última tentativa de pedir uma indenização para a viúva de Expedito, mas ele nem compareceu na audiência. Mandou apenas um advogado que a todo instante o consultava por telefone sobre o valor pedido pela viúva de Expedito. Conclusão, o advogado disse: “meu cliente não aceita esse valor”, audiência encerrada.

Os crimes cometidos por outros dois fazendeiros, contra líderes sindicais, divulgados pela nota, aconteceram na mesma época do assassinato do Expedito. Existe uma articulação entre fazendeiros para assassinar lideranças locais dos trabalhadores?

Sem dúvida. Os fazendeiros tinham articulado o assassinato de várias lideranças, como João Canuto de Oliveira, Braz Antonio de Oliveira, entre outros. Vale lembrar, que o Braz era diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria e foi morto junto ao seu companheiro de luta Ronan Rafael Ventura, em abril de 1990, por uma máfia a serviço desses fazendeiros, em especial, de Geraldo Oliveira Braga. Aliás, com relação à morte desses dois companheiros, existe uma outra barbaridade cometida pela justiça do Pará. Após 19 anos de tramitação e morosidade, no dia 16 de fevereiro de 2009, o Supremo Tribunal Federal declarou a prescrição do crime. Braga, hoje com 74 anos, é dono de um grande latifúndio em Minas Gerais. E os fazendeiros Adilson Laranjeira e Vantuir Gonçalves de Paula, que mandaram matar o sindicalista João Canuto de Oliveira, foram condenados, em 2003, a 19 anos e 10 meses de prisão. Contudo, eles nunca foram capturados para cumprir pena. Um deles até morreu de morte natural, em 2007.

Então, há uma articulação entre os fazendeiros e a justiça do Pará para que os assassinatos de lideranças permaneçam impunes?

Logicamente. Por isso, nossa luta sempre foi para colocar na cadeia esses fazendeiros criminosos, pois, se a justiça é conivente, a matança continua. E o motivo de toda essa morosidade é que a justiça paraense não é independente, é muito ligada à classe social mais abastada e manipulada pela ideologia de grupos dominantes do agronegócio. Todo esse tribunal de júri é uma farsa, algo para iludir o povo. Como se vai julgar um crime 28 anos depois de cometido? Não tem condições. Outro caso é o do lavrador Belchior Martins da Costa, assassinado em março de 1982, com 140 tiros, a mando do fazendeiro Valter Valente. Hoje, com 80 anos, Valente não será submetido a julgamento. E José Herzog, acusado pelo assassinato, foi julgado e absolvido só no último dia 24 de junho deste ano. Ambos se beneficiaram da morosidade proposital.

E quais são as regiões mais afetadas?

A região mais tensa nesses últimos tempos é a da fazenda Maria Bonita, do banqueiro Daniel Dantas, ocupada pelo MST em Eldorado dos Carajás [PA]. Além desta, há uma região explosiva formada pelos municípios de Santana do Araguaia, Santa Maria e Cumaru do Norte [todas no Pará], onde há extensas fazendas, inclusive do grupo de Daniel Dantas, e infelizmente ainda não existem movimentos sociais organizados. Por isso, as ocupações nessa área sofrem mais com as ameaças de pistoleiros, seguranças de empresas privadas e da própria polícia. Sem contar que essa região também tem um histórico de trabalho escravo. Um exemplo é a fazenda Cristalina, em Santana do Araguaia, que é conhecida como a antiga fazenda da Volkswagen. A empresa recebeu essa fazenda, de 140 mil hectares, nos anos de 1980. Em 2008, quando 84 mil hectares dela foram desapropriados pelo Incra, uma organização que lutava pela terra, a Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar [Fetraf], ocupou a área com 600 famílias. Porém, o processo de assentamento até hoje não aconteceu e a situação ficou explosiva porque essas famílias, muito pobres, passaram a sofrer represálias de grupos armados que, inclusive, extorquem dinheiro desses miseráveis.

Qual a principal tarefa da CPT no Pará?

Além da luta contra a impunidade, apoiamos as ocupações de terra, principalmente do MST. Outra vertente é o combate ao trabalho escravo. De 1978 até 2000 havia muito trabalho escravo na região e só conseguimos acabar com parte disso quando pressionamos o Ministério do Trabalho a formar uma frente contra essa vergonha que ainda perdura no Brasil. Antes, a justiça ajudava o fazendeiro, pois ele ia nas repartições públicas e ameaçava, comprava servidores para não ser denunciado, e quando os fiscais ignoravam essas ameaças ou não se vendiam, eles eram assassinados. Só depois que esse grupo formado pelo Ministério do Trabalho começou a agir com um pessoal móvel apoiado pela Polícia Federal é que diminuiu a tensão e o trabalho escravo na região sul do Pará.

Qual reflexão o senhor faz desses vintes anos em que está no Pará, mudou algo?

O que mudou é que agora existem ocupações de terra feitas de modo organizado pelo MST. Agem de maneira focada contra o latifúndio, o agronegócio, têm uma causa e defendem a preservação da região amazônica. Por outro lado, nesses últimos anos, houve muito despejo violento. Outro agravante, sobretudo na região sul do Pará, é que a força do latifúndio agropecuário foi se espalhando muito, tendo uma atuação gigantesca, principalmente do grupo Santa Bárbara, de Daniel Dantas, que fortaleceu muito o grupo de políticos ruralistas.

Para encerrar, quanto “custa” hoje a vida do senhor? E quem quer pagar por ela?

Venho sofrendo ameaças desde 2000 de fazendeiros. A partir de 2005, também comecei a ser ameaçado por dois policiais civis que denunciei pela tortura de uma criança. Um deles ainda não cumpre seu mandado de prisão. Quando Dorothy Stang foi assassinada [em fevereiro de 2005], saiu um lista em que minha morte valia R$ 100 mil. Desde então, a justiça do Pará, contra minha vontade, determinou que um segurança me acompanhasse. Agora dizem que vale só R$ 20 mil, me desvalorizaram [risos]. Mas sei que um fazendeiro da região disse que, se ocupassem a fazenda dele, ele se vingaria de mim e me mataria. De todo modo, estou tranquilo, seguindo meu trabalho

da cpt.org.br

O Comitê Rio Maria é uma rede de solidariedade internacional, cujo objectivo é pôr fim aos assassinatos de camponeses por pistoleiros contratados por fazendeiros de gado na Amazônia Oriental do Brasil. Foi iniciada pelo padre Ricardo Rezende, que na época era pastor da paróquia católica em Rio Maria, juntamente com um grupo de pessoas interessadas, que incluiu o Padre Henri des Roziers, um padre dominicano e advogado da Comissão Pastoral da Terra. Padre Des Roziers continua esse trabalho até o momento.

A comissão foi organizada após o assassinato de Expedito Ribeiro de Souza. Expedito, um poeta, um camponês, e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, foi a sétima pessoa morta em Rio Maria por causa da liderança, ou a associação com a liderança, do movimento sindical rural. Vários outros líderes sindicais e as pessoas da igreja ter sido vítimas de ameaças de morte e das tentativas em suas vidas.

www.wiserearth.org/

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Tese analisa legislação de potabilidade de água e agrotóxicos

Entrevista com Maria de Lourdes Fernandes Neto

da ENSP

Na tese de doutorado Análise dos parâmetros agrotóxicos da Norma Brasileira de Potabilidade de Água: uma abordagem de avaliação de risco, Maria de Lourdes Fernandes Neto analisa a água consumida pelas populações como uma importante forma de exposição à substância agrotóxica. O trabalho foi orientado pela pesquisadora Paula Sarcinelli, do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP/Fiocruz), e busca analisar a consistência do atual padrão de potabilidade brasileiro referente aos agrotóxicos.

Em entrevista ao Informe ENSP, Lourdes fala dos índices mínimos de contaminação, dos prejuízos que o consumo da água contaminada pode trazer para a população e dos itens que uma nova regulamentação sobre o padrão de potabilidade de água deve contemplar.

Informe ENSP: Em 2008, o Brasil se tornou o maior consumidor de agrotóxicos no mundo. Quais os impactos da utilização dessa substância na saúde humana e no meio ambiente? A temática dos agrotóxicos envolve uma rede intrincada de aspectos e questões que se relacionam, além de diversos atores e interesses. A exposição humana aos agrotóxicos pode ocorrer segundo diferentes rotas, e, em algumas delas, os indivíduos podem ser expostos por mais de uma via ao mesmo tempo, o que configura exposição múltipla. Assim, por exemplo, um trabalhador rural pode ser exposto tanto durante a aplicação do agrotóxico, em dada cultura, como pelo consumo de alimentos ou água contaminados. Da mesma forma, populações que moram próximas a áreas cultivadas com agrotóxicos podem consumir água ou alimentos contaminados, bem como inalar a substância eventualmente presente no ar. Além disso, um mesmo indivíduo pode ser exposto a mais de um tipo de agrotóxico, ainda que seguindo uma única rota, configurando também, uma situação preocupante de exposição.

Maria de Lourdes Fernandes Neto:

A dinâmica dos agrotóxicos no ambiente é fortemente influenciada por fatores intrínsecos às substâncias, assim como pelas propriedades do solo, condições climáticas e formas de aplicação do produto. Uma vez no ambiente, tais substâncias podem ser degradadas ou se movimentarem, por exemplo, no perfil do solo, podendo atingir as águas, de acordo com a influência dos fatores anteriormente mencionados. Quando presente na água, o agrotóxico poderá aderir à matéria em suspensão, depositar no sedimento de fundo ou mesmo ser absorvido por organismos aquáticos.

Em relação à contaminação de águas, há situações em que essa contaminação pode ocorrer em grandes proporções, por exemplo, em virtude de derramamento acidental de agrotóxicos, que, eventualmente, podem atingir os corpos d´água. Isso poderia configurar uma exposição aguda. Entretanto, nesses casos, a água normalmente apresenta sabor e odor característicos, que causariam sua rejeição por parte da população. Dessa forma, a preocupação maior ocorreria para a ingestão contínua de água contaminada a baixas concentrações, o que configuraria um risco crônico.

Informe ENSP: Quais os principais efeitos da exposição à saúde humana? Os efeitos sobre a saúde decorrentes da exposição aos agrotóxicos variam segundo o princípio ativo envolvido. Dentre aqueles já identificados e publicados pela literatura internacional especializada, destacam-se:

Maria de Lourdes:

• Efeitos devido à exposição aguda: cólicas abdominais, dores de cabeça, tonturas, tremores musculares, irritabilidade, perda de apetite, enjoos, vômitos.

• Efeitos devido à exposição crônica: problemas hepáticos, renais, neurotóxicos, alterações cromossomiais e câncer.

Entretanto, sabe-se que ainda existem várias lacunas no conhecimento dos efeitos à saúde em razão da exposição crônica aos agrotóxicos, e, portanto, há muito que ser avaliado, tanto em termos da identificação de contaminantes nos ambientes aquáticos, quanto das relações entre tais contaminantes e a ocorrência de efeitos adversos à saúde humana.

Informe ENSP: Em sua tese, você faz uma análise da potabilidade da água de acordo com a utilização dos agrotóxicos. Quais são os índices mínimos de contaminação? Quais prejuízos o consumo da água contaminada pode trazer para a população? O trabalho desenvolvido teve por objetivo geral analisar a consistência do atual padrão de potabilidade brasileiro referente aos agrotóxicos, com base nos preceitos da metodologia de Avaliação de Risco. Na verdade, o estudo não analisou a potabilidade de amostras de água. Foi feita uma análise crítica da legislação brasileira (Portaria MS nº 518/2004) em relação aos atuais parâmetros agrotóxicos regulamentados e à forma como tal padrão para agrotóxicos tem sido definido no Brasil. Feito também um estudo comparativo com normas dos EUA, Canadá, Nova Zelândia, Austrália e com os guias de qualidade da água recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A escolha dessas diretrizes internacionais para comparação foi, sobretudo, pelo fato de tais países, assim como a OMS, utilizarem os pressupostos da metodologia de Avaliação de Risco na definição de seus valores guia. Foi feita, ainda, uma descrição sobre o perfil de uso de agrotóxicos no Brasil, em termos dos princípios ativos mais utilizados e unidades da Federação com maior intensidade de uso.

Maria de Lourdes:

As informações nacionais sobre detecção de agrotóxicos em águas brutas e tratadas são, muitas vezes, relacionadas a estudos pontuais. Embora o monitoramento de agrotóxicos em águas destinadas ao consumo humano, tanto pelos prestadores de serviços de abastecimento (controle de qualidade da água) quanto pelo setor saúde (vigilância da qualidade da água), seja uma atividade prevista na legislação brasileira, com frequência mínima de amostragem semestral, na prática, essa atividade ainda é tímida. Outro ponto importante é que as informações disponibilizadas no Sistema Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), do Ministério da Saúde, sobre os resultados das análises de vigilância e controle da qualidade da água no país são ainda pouco expressivas para os parâmetros agrotóxicos; em parte devido a não realização do monitoramento ou cumprimento parcial dos planos de amostragem da vigilância e do controle. Outra razão seria a inconstância ou baixo nível de alimentação do sistema de informação, cuja operacionalização não é obrigatória para as secretarias municipais de saúde, ainda que seja uma ação, dentre diversas outras importantes, que afeta a vigilância da qualidade da água para consumo humano.

Informe ENSP: De acordo com o resumo da tese, a última atualização para definição do padrão de potabilidade de água ocorreu em 2000. Diante do crescimento da agroeconomia brasileira, quais itens uma nova regulamentação deveria contemplar? Um dos objetivos específicos do trabalho foi a avaliação da pertinência de manutenção dos atuais parâmetros agrotóxicos relacionados na legislação nacional e seus respectivos valores máximos permitidos (VMP), bem como o acréscimo de outras substâncias. A premissa seguida foi a de que essa problematização pudesse apresentar subsídios para viabilizar decisões regulatórias que afetam a potabilidade da água, sobretudo ao se pensar que a legislação brasileira está, atualmente, em processo de revisão, cuja coordenação está a cargo do Ministério da Saúde, órgão responsável por editar normas e o padrão de potabilidade nacional.

Maria de Lourdes:

Informe ENSP: Quais critérios são levados em consideração para a definição desses padrões? A definição de padrões de potabilidade de água para substâncias químicas, e especificamente para agrotóxicos, normalmente leva em consideração alguns importantes critérios, dentre os quais podem ser citados: o conhecimento da intensidade de uso dessas substâncias no país e a análise das evidências toxicológicas e dos riscos de tais substâncias ao ser humano. Além disso, deve ser estabelecido o valor máximo permitido para a concentração da substância na água mediante a utilização dos pressupostos da metodologia de Avaliação de Risco. Outro aspecto relevante a ser considerado é a factibilidade técnica e financeira de incorporação de parâmetros e respectivos VMP.

Maria de Lourdes:

Cabe ressaltar ainda que os parâmetros e valores guias sinalizados pelas diretrizes da OMS, bem como as normas de outros países como EUA e Canadá, têm sido utilizados como referência por diversos países, incluindo o Brasil. Entretanto, é importante que a legislação nacional sinalizasse as bases científicas que nortearam a definição do padrão nacional, com a devida publicidade dessas informações aos interessados, para que não haja dúvidas sobre quais foram as premissas e condições de contorno definidas ou consideradas. Isso é importante porque, ao contrário das normas de países como EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, a atual legislação brasileira não apresenta, em seu conteúdo, ou em documentos complementares, informações detalhadas sobre as bases teóricas que fundamentaram a definição dos agrotóxicos de interesse e seus respectivos VMP, isto é, quais foram os estudos, condições de contorno ou diretrizes utilizadas como referência.

O trabalho apontou a inexistência de informações prontamente disponibilizadas pelo governo federal em termos da intensidade de uso de agrotóxicos no país. Como consequência, a obtenção dessas informações desagregadas por estado, cultura e princípio ativo, para os últimos anos, ficou inviabilizada. Diante disso, o estudo utilizou informações do ano de 2005 e, assumindo um perfil atual de uso semelhante, apresentou algumas substâncias cujo uso é importante e não estão contempladas na atual legislação brasileira, como o metamidofós e o mancozebe.

Alguns agrotóxicos tiveram sua produção e uso proibidos ou restringidos no mundo, e não são contemplados em diretrizes e padrões de potabilidade de alguns países. Entretanto, substâncias como o aldrin/dieldrin, DDT, endrin, heptacloro e hexaclorobenzeno (sinalizados na atual legislação brasileira) são, além de tóxicas para os seres vivos, reconhecidamente persistentes no ambiente e com potencial para bioacumulação, tendo sido encontradas inclusive em algumas amostras de água, no controle realizado por prestadores de serviço de abastecimento em 2008 no país. Tudo isso indicaria, ao menos a princípio, a pertinência em considerá-las em programas de monitoramento ambiental e, portanto, no estabelecimento de valores guias no Brasil.

Informe ENSP: Como funciona o processo de registro de agrotóxico no Brasil? Quais são os órgãos reguladores? O registro de agrotóxicos não tem prazo de validade no Brasil. Entretanto, segundo o Decreto nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002, cabe ao Ministério da Saúde, por meio da Anvisa, junto com o Ministério do Meio Ambiente, por meio do Ibama, e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) a importante atribuição de proceder à reavaliação do registro dos princípios ativos utilizados em agrotóxicos no país. Tal reavaliação deverá ocorrer quando houver indícios da ocorrência de riscos à saúde, comparados aos riscos avaliados à época da concessão do registro de determinado princípio ativo ou, ainda, quando o Brasil for alertado por organizações internacionais responsáveis pela saúde, alimentação ou meio ambiente, das quais nosso país seja membro integrante ou signatário de acordos. Daí a importância do processo de reavaliação daquelas substâncias cujo acúmulo no conhecimento científico indicar riscos à saúde e que, eventualmente, já tenham tido sua produção e uso proibidos ou restringidos em outros países. Nesse sentido, diferentes indústrias fabricantes de agrotóxicos têm reagido negativamente à reavaliação do registro de seus agrotóxicos, acarretando em decisões judiciais que impedem ou postergam os processos de reavaliação. Essa resistência e dificuldade impostas pelas empresas registrantes preocupam na medida em que diversas substâncias já defasadas ou potencialmente danosas à saúde permanecem disponíveis no mercado e passíveis de ocasionar problemas de saúde pública de grandes proporções.

Maria de Lourdes:

Informe ENSP: Quais são as principais conclusões da tese? A despeito das limitações impostas pela ausência de dados recentes sobre o consumo de agrotóxicos no país, os resultados do trabalho quanto ao perfil do uso dessas substâncias apontaram que, além de um número considerável de princípios ativos e produtos registrados e, portanto, disponíveis no mercado, produtos não recomendados para determinadas culturas também têm sido utilizados. Adicionalmente, verificou-se que, embora existam alguns estados que respondam pelo maior consumo de agrotóxicos, sobretudo nas regiões Sudeste (São Paulo e Minas Gerais), Sul (Paraná) e Centro-Oeste (Mato Grosso e Goiás), os problemas advindos do uso dessas substâncias podem ser considerados como de abrangência nacional.

Maria de Lourdes:

Tendo em vista a ampla gama de agrotóxicos com registro autorizado no Brasil, o uso considerável dessas substâncias em diversas culturas e as experiências internacionais consideradas no trabalho, seria importante que o governo federal sinalizasse valores guias para todos os princípios ativos cujo uso é autorizado, uma vez que, se disponíveis para utilização, podem estar presentes no ambiente e, em especial, nas águas utilizadas para consumo humano. Isso é particularmente importante ao se considerar que, independente da adoção de um padrão mandatório, devem existir ações específicas para o atendimento aos critérios de qualidade da água pelos prestadores de serviço de abastecimento e outras ações de vigilância por parte dos órgãos fiscalizadores, além do controle social, exercido pela população atendida. Conforme verificado para alguns países, a definição de normas de potabilidade mais abrangentes, em termos das substâncias sinalizadas, permite que os setores responsáveis pelo tratamento/distribuição da água e autoridades sanitárias possuam índices referenciais para quaisquer substâncias que potencialmente poderiam estar presentes na água, segundo as especificidades de determinado local. Adicionalmente, as limitações impostas pela aferição da qualidade da água, apenas segundo parâmetros específicos (por exemplo, nos sinergismos advindos de misturas de contaminantes), e as diretrizes internacionais mais recentes têm sinalizado para uma abordagem de qualidade da água mais ampla do que apenas a delimitação de parâmetros e respectivos VMP.

Informe ENSP: Como você vê a sociedade nessa questão? Uma importante lacuna identificada no trabalho refere-se ao desconhecimento, por parte da sociedade em geral e mesmo de alguns segmentos do poder público, sobre a realidade nacional em termos do consumo de agrotóxicos. Não existem dados oficiais divulgados sobre a intensidade desse consumo e as especificidades das diferentes regiões brasileiras quanto ao volume e descrição das substâncias utilizadas nas diferentes culturas. Dentre os muitos prejuízos atribuídos a esse desconhecimento da realidade nacional, destaca-se a dificuldade em sistematizar informações e definir padrões de potabilidade de água mais próximos às necessidades do país.

Maria de Lourdes:

Além da divulgação de dados oficiais sobre o consumo de agrotóxicos, cabe destacar a relevância da implantação de programas de monitoramento ambiental dos agrotóxicos mais consumidos no país ou daqueles elencados como prioritários em termos de potencialidade em trazer prejuízos à saúde humana e aos ecossistemas. A exemplo do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (Para), coordenado pela Anvisa, seria importante que os agentes públicos relacionados à temática desenvolvessem e implementassem uma política similar para o monitoramento ambiental de resíduos de agrotóxicos, sobretudo em solo e em água bruta e tratada, com a cobertura mais ampla possível, nas regiões do país. O desenvolvimento desses programas viabilizaria uma análise mais precisa sobre a exposição das populações aos agrotóxicos, via ingestão de água, assim como sobre a relevância dessa exposição face às outras possíveis rotas de contaminação, que incluiriam, por exemplo, a ingestão de alimentos, além de facilitar o processo constante de revisão dos parâmetros e limites de exposição.

Informe ENSP: Quais outras recomendações a tese aponta? Com base na relevância e complexidade do tema, seria importante o desenvolvimento de outros estudos que contemplem, por exemplo: (i) avaliação da viabilidade técnica e financeira de remoção de agrotóxicos, tendo em vista as diferentes tecnologias disponíveis para o tratamento de água e (ii) sistematização e avaliação das possibilidades analíticas de detecção de agrotóxicos em água, quanto aos limites de detecção dos principais métodos e viabilidade técnica para incorporação das metodologias em larga escala, pelos prestadores de serviço de abastecimento de água e laboratórios de saúde pública;

Maria de Lourdes:

A revisão e atualização dos parâmetros agrotóxicos constituem-se apenas como parte (importante) de um processo maior, que contempla a legislação de potabilidade de água em toda sua amplitude. Nesse sentido, é importante que o governo federal e, enquanto responsável pela definição do padrão de potabilidade nacional, o Ministério da Saúde institucionalizem essa importante tarefa de revisão contínua do padrão de potabilidade nacional. Para isso e, a exemplo da experiência de outros países, é necessário, em primeira instância, a definição de um plano de trabalho e a garantia da continuidade do processo mediante a sustentabilidade financeira, operacional e de recursos humanos.

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Dom Cappio: “O objetivo da transposição já foi alcançado”

Dom Cappio em Berna.

Legenda: Dom Cappio em Berna/ swissinfo

Em sua primeira visita à Suíça, o bispo Luís Flávio Cappio, de Barra, na Bahia, diz que a transposição do Rio São Francisco serviu para angariar fundos para as eleições de 2010 e que a conclusão do projeto não é importante para o governo.

Ele critica os projetos de irrigação que beneficiam a agroindústria e diz que a alternativa seria a agricultura familiar e a democratização da água acumulada em cerca de 70 mil açudes do Nordeste setentrional.

 

Dom Luís Flávio Cappio participa das comemorações dos cinco anos da declaração ecumênica em defesa da água como direito humano e bem público, assinada em 2005 pelas conferências nacionais dos bispos do Brasil e da Suíça e pela Federação das Igrejas Protestantes Suíças.
Swissinfo.ch conversou com ele em Berna, onde participou nesta quinta-feira de um debate sobre a transposição do Velho Chico. A seguir, as principais afirmações que ele fez na entrevista, cuja íntegra pode ser ouvida nos áudios na coluna à direita.
swissinfo.ch: Por que o senhor é contra a transposição do Rio São Francisco?
Dom Luís Cappio: Em primeiro lugar, essa obra é inconstitucional. Pela Constituição de 1988, todos os recursos aplicados em projetos hídricos devem priorizar o abastecimento das comunidades. E o projeto não faz isso.
Água não nos falta. O que nós precisamos é de parceria do governo federal com as prefeituras para que a água acumulada nos açudes seja distribuída nas muitas comunidades do Nordeste.

E o projeto de transposição, em vez de democratizar a água, visa a segurança hídrica desta água do Rio São Francisco nos açudes e perenizar os rios para os projetos agroindustriais. Por isso, nós somos contrários ao projeto.

swissinfo.ch: Qual seria a alternativa?
D.L.C.: A grande alternativa o próprio governo já possui. A Agência Nacional de Águas (ANA) tem como prioridade, através do Atlas do Nordeste, democratizar a água acumulada nos 70 mil açudes do Nordeste setentrional, levá-la às comunidades. Este é o projeto alternativo que nós assinamos embaixo, mas infelizmente o governo brasileiro, graças ao lobby das grandes empresas transacionais e das empreiteiras construtoras da obra, optou pelo projeto de transposição.

swissinfo.ch: O governo argumenta que as obras da transposição vão gerar 5 mil empregos e que o projeto vai beneficiar 12 milhões de pessoas no semiárido. A alternativa apresentada pela ANA teria o mesmo efeito?
D.L.C.: Aí nós devemos saber qual é a prioridade dos investimentos públicos. A prioridade é o abastecimento hídrico das comunidades. Esta região é muito seca, o povo precisa de água para beber, para seu uso, para a produção familiar dos alimentos. Essa é a prioridade para os recursos aplicados em projetos hídricos e não o projeto de transposição que visa a aplicação na agroindústria.

swissinfo.ch: Faria sentido combinar os dois projetos?
Desde que se priorizasse o abastecimento hídrico das comunidades… E para isso o projeto alternativo é suficiente.

swissinfo.ch: Como o senhor avalia os projetos de irrigação?
D.L.C.: Eu os avalio a partir do que está acontecendo no eixo Juazeiro e Petrolina, na região do Rio São Francisco, que é especializado em irrigação para a produção principalmente de frutas para a exportação e uvas para a indústria do vinho.

As técnicas usadas são das mais avançadas do mundo. E o produto econômico é também muito interessante. Mas sob o ponto de vista social e ecológico, as conclusões são bem diferentes. As grandes produções de frutas para a exportação utilizam uma mão de obra sazonal semiescrava, a maioria desses trabalhadores sem nenhum direito social, não protegidos pelas leis trabalhistas.

E a água vem do rio e depois volta totalmente envenenada pela quantidade imensa de agrotóxicos utilizados na produção dessas frutas. Nesse sentido, eu posso prever o que será a agroindústria depois das águas do projeto de transposição. Com certeza, a lógica será a mesma.

swissinfo.ch: Quais seriam as alternativas social e ecologicamente sustentáveis para criar empregos e manter a população na região?
D.L.C.: É a agricultura familiar que coloca a mesa do povo brasileiro e especialmente do semiárido. Não é da agricultura extensiva para a exportação que o povo se alimenta. Pelos projetos alternativos de abastecimento hídrico se garante o consumo de água, como também o abastecimento hídrico da produção familiar de alimentos que são consumidos. Essa é a grande alternativa e não a aplicação de recursos maciços para a agroindústria de exportação.

swissinfo.ch: O senhor fez duas greves de fome, mas as obras continuam. A batalha está perdida?
D.L.C.: Não, as greves de fome foram um grito lançado diante da postura surdo muda do governo diante do clamor da sociedade civil que é contrária ao projeto de transposição. Nós dizíamos: ‘Quando a razão se extingue, a loucura é o caminho’. Quem sabe, um grito dessa natureza pudesse despertar para a insanidade que consiste o projeto de transposição.

E esse grito deu conhecimento a nível nacional e internacional deste projeto insano. É por isso que nós estamos aqui: para mostrar para o mundo o absurdo em que consiste este projeto. E o nosso grito através dos jejuns também teve o mérito de fortalecer os movimentos sociais, que se uniram no sentido de combater esses projetos que vêm contra os interesses da população.

swissinfo.ch: A Justiça brasileira não teria condições de barrar o projeto?
D.L.C.: Existem duas ações no Supremo Tribunal Federal contrárias ao projeto: uma falando da inconstitucionalidade e a outra porque o projeto invade territórios indígenas. E essas duas ações nunca foram julgadas. Os ministros do Supremo Tribunal Federal são escolhidos pelo presidente da República. A Justiça brasileira infelizmente está atrelada ao Executivo. E nós atribuímos a isso o não julgamento dessas duas ações.

swissinfo.ch: O senhor espera mudanças no projeto da transposição e em outros projetos semelhantes depois do governo Lula, principalmente na questão do diálogo com a sociedade civil?
D.L.C.: O grande objetivo dos grandes projetos governamentais, tipo transposição do Rio São Francisco, é um objetivo corrupto, de angariar fundos para as eleições deste ano. Se o projeto vai adiante ou não, não é importante para o governo brasileiro porque o objetivo já foi alcançado: obter fundos para as eleições de 2010.

……..

Entrevista de Nathana Simões – Jornal “Voz de Nazaré”, de Belém, com Dom Erwin Kräutler, Bispo do Xingu e Presidente do Cimi

Amazônia, um filho teu não foge à luta…

Incansável, Dom Erwin Kräutler diz que a discussão sobre Belo Monte está apenas começando.

Recuso-me a afirmar que essa luta está perdida”. A declaração é de Dom Erwin Kräutler, Bispo do Xingu e presidente do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), sobre a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. O prelado que atua na região há 45 anos, quase 30 deles dedicados como Bispo, conhece como ninguém a realidade do povo amazônida. Em entrevista exclusiva a Voz de Nazaré, ele reitera os motivos pelos quais Belo Monte não é imprescindível para o desenvolvimento do Brasil, e que existem diversas alternativas, não somente de energia, mas de respeito à dignidade, que poderiam ser adotadas. Para ele a “luta” para tentar impedir que a usina se torne uma realidade está apenas no começo.

Belo Monte não é apenas uma discussão que já perdura 30 anos, é uma incógnita que se arrasta há décadas, tanto para as populações diretamente afetadas quanto para o resto do Brasil. Para os que defendem a sua construção, Belo Monte trará consigo prosperidade, mas  para outros, como Dom Erwin, não há dúvida de que a usina afetará profundamente a vida de comunidades ribeirinhas, populações indígenas e o povo da parte mais baixa da cidade de Altamira, e por consequência, cada cidadão brasileiro.

1) Após o leilão de concessão do aproveitamento de Belo Monte, do último dia 20, o senhor acredita que as chances de conseguir impedir a sua construção ficaram mais distantes? Ou o senhor acredita que ainda é cedo para dizer que a luta está perdida?

Dom Erwin: Recuso-me a afirmar que essa luta está perdida. O próprio Juiz Federal de Altamira, Antônio Carlos Almeida Campelo, que concedeu as três liminares na véspera do leilão admite que estamos apenas no início de uma verdadeira guerra judicial “nesta soma de absurdos que foi o leilão de Belo Monte”[1].  Continuo a acreditar que, finalmente, a Carta Magna do Brasil seja respeitada. A planejada usina hidrelétrica Belo Monte é a primeira no Brasil que, se for construída, aproveita recursos hídricos de áreas indígenas (Paquiçamba e Arara). Em um caso desse tipo a nossa Constituição Federal exige no seu Artigo 176 uma lei específica[2]. E essa lei regulamentadora simplesmente não existe. Nem sequer foi discutida no Congresso Nacional. Ao lado da denúncia de “irregularidades ambientais”, este é o argumento primordial das ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público Federal (MPF) e de outras entidades, entre as quais o Cimi (Conselho Indigenista Missionário). O Desembargador Jirair Meguerian, presidente do Tribunal Regional Federal, 1ª Região, cassou todas as liminares num tempo recorde, para possibilitar o leilão. O que realmente espanta é que Jirair Meguerian em nenhum momento contestou os argumentos. Justificou apenas que a decisão do MPF por ele derrubada se baseou tão somente em “conjecturas”. Essa alegação não deixa de ser uma indicação de que o meritíssimo não havia lido as 50 (cinquenta) páginas da decisão. Deixou-se influenciar por outros parâmetros. Ora, se um Artigo da Constituição Federal é considerado mera “conjectura” (= fantasia, hipótese) então o Brasil está à beira da falência de Estado de Direito. A Constituição Federal foi desrespeitada, violada. Essa é a verdade! Nem o presidente da República nem um juiz estão acima da Constituição Federal. Se assim for, o Brasil já se tornou ditadura.

Até o insuspeito Senador Pedro Simon faz um alerta ao Presidente da República. Cobra explicações ao povo brasileiro sobre o processo de licitação e declara textualmente: “Precisamos de energia, mas a controvérsia em torno de Belo Monte espanta. E não é de agora. Nem os militares, com o Congresso fechado, ousaram levar adiante a obra[3].

2) Na semana passada, o diretor de licenciamento do IBAMA, Pedro Bignelli, afirmou ao site Agência Brasil, que nenhuma terra indígena seria afetada com a construção de Belo Monte. O que senhor acha desta declaração?

Dom Erwin: Essa declaração já conheço há tempo pois foi divulgada em verso e prosa pela mídia, mas não deixa de ser uma falácia. O IBAMA (Pedro Bignelli) e Maurício Tomasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), sempre argumentaram que nenhuma área indígena será inundada. Esconderam, porém, o outro lado da moeda.

O painel de 40 especialistas[4] divulgou já ano passado seu parecer sobre a viabilidade de Belo Monte. O documento analisa entre outras coisas os impactos causados aos povos indígenas. O Governo, lamentavelmente, não se deixou impressionar.

Em primeiro lugar, se Belo Monte for construída, a obra será realizada no limite de terras indígenas com inegáveis impactos sociais e culturais causados pela proximidade do canteiro de obras e de pessoas estranhas às aldeias.

Ao longo de cerca de 100 km , a volta Grande do Xingu sofrerá “redução da vazão e rebaixamento do lençol freático com impactos biológicos originando um Trecho de Vazão Reduzida (TVR), com vários impactos biológicos e sociais associados, como os problemas para a navegação e os efeitos sobre as florestas inundáveis”. Essa perda de recursos naturais e hídricos prejudicará diretamente os povos indígenas.

Áreas indígenas não serão inundadas. Sim! O contrário acontecerá: aos indígenas será cortada a água! Como viver no seco? De que se alimentarão, já que “o conjunto das espécies que vivem neste trecho do rio não sobreviverá sob um regime de vazão”, em outras palavras, se aos indígenas falta o peixe?

Não é macabro cinismo afirmar que nenhuma terra indígena será afetada, se aos povos indígenas aí existentes é arrancada a condição de sobrevivência?

3) Alguns especialistas apontaram que apesar de Belo Monte ter um custo elevadíssimo, ela será a Usina menos produtiva do Brasil, e deve funcionar com apenas 40% da capacidade. Apesar dessas críticas, o Governo persiste em considerar Belo Monte imprescindível para o desenvolvimento do Brasil. Na sua avaliação, porque há esta insistência?

D Erwin: São dois fatores que causam essa insistência. Um é de ordem política o que o Governo se nega a admitir. Mas quem não sabe que Belo Monte é a menina dos olhos do PAC 1? Se o Governo levar uma derrota, põe em risco, no entender da cúpula do PT e do presidente, a eleição da Dilma Rousseff que, como então ministra de Minas e Energia concebeu esse plano e o deu à luz. Num contexto como esse não há mais clima para uma discussão serena. E o próprio presidente avisa: tem que ser feito, mesmo que seja “de qualquer jeito”, até “sozinho se for necessário”. Assim ele não tem como negar que a questão tem conotação política, pois Lula mesmo o revela, quando diz com todas as letras: “As usinas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio são coisas que nossos adversários torcem para não dar certo”[5]. Assuntos e decisões tão importantes e de consequências irreversíveis para a Amazônia, o Brasil e o planeta Terra, são banalizados ao nível de queda de braço político-partidário e ainda eleitoreiro, ou então à briga entre a torcida de um time e outro. Até que ponto chegamos?

O segundo fator é “econômico” e esse abarca o maior número de mentiras, pois desde o início se quis vender o projeto como medida necessária para evitar o “apagão”. Fala-se de energia barata para as casas dos pobres. Mera demagogia! Na realidade a quem interessa Belo Monte são as grandes empresas, especialmente do setor mineral e, naturalmente, as firmas barrageiras que mais uma vez querem auferir somas astronômicas e empregar seu maquinário e “know how” num modelo tradicional de construção de hidrelétrica com barramentos, imensos paredões de cimento, diques e canais de derivação, repetindo os erros do passado, alagando áreas imensas e arrasando florestas.

4) Algumas pessoas defendem uma discussão em torno da busca de energias alternativas: energia solar, por exemplo. O senhor acredita que esta é uma tendência global e que o Brasil poderia sim pensar em investir mais neste tipo de alternativa?

Dom Erwin: O Brasil está perdendo uma enorme chance de inovar. Nessa época de preocupação mundial em relação ao aquecimento climático em um ritmo nunca visto, o Brasil poderia dar ao mundo um eloquente exemplo de cuidado mais esmerado com o meio-ambiente e, ao mesmo tempo, de avanço na busca de fontes alternativas de energia, como a energia solar e eólica. Não nos faltam universidades, centros de pesquisa, e cientistas de ponta na busca de tais alternativas. Falta incentivo para tal. É mais fácil gritar “o país precisa de Belo Monte” do que investir em estudos mais aprofundados que a médio prazo chegariam sem dúvida a conclusão de que não precisamos de nenhuma hidrelétrica Belo Monte, pois nesta Amazônia tropical temos energia solar de sobra, e não temos necessidade de alagar nem sequer um campo de futebol, de sacrificar um rio e acabar com uma encantadora paisagem.

5) O senhor levou esta questão para a Ad Limina?

Dom Erwin: Sim, levamos! Digo “levamos”, pois não fui apenas eu quem apresentou a preocupação pelo futuro da Amazônia, mas estivemos lá todos os bispos do Regional Norte II da CNBB e assim o assunto pertencia a todos. Havia dois momentos de tratarmos das hidrelétricas na Amazônia. O primeiro foi a Coletiva de Imprensa, promovida pela Radio Vaticano no dia 15 de abril, em que falamos abertamente sobre os projetos de hidrelétricas nos rios Xingu e Tapajós e suas consequências imprevisíveis. O segundo momento foi a audiência particular com o Papa. Dom Esmeraldo de Santarém encontrou-se com o Papa pessoalmente naquele mesmo dia 15 de abril e o Papa pediu-lhe que deixasse algo por escrito a respeito das ameaças ao Rio Tapajós. Eu mesmo fui recebido pelo Papa no dia 16 de abril, dia de seu aniversário natalício, e “peguei o gancho” deixado por Dom Esmeraldo e expliquei ao Papa toda a problemática que Belo Monte irá trazer para os povos do Xingu, se o projeto realmente for executado. Aproveitei para entregar-lhe em mãos o texto que eu tinha preparado para a Coletiva de Imprensa. Posso revelar que a nossa angústia a respeito do futuro da Amazônia e, de modo especial, dos nossos rios Tapajós e Xingu tocaram o Papa profundamente.

6) Nos últimos meses muitas ações foram feitas para tentar impedir que Belo Monte se torne uma realidade, além de protestos o senhor chegou a escrever uma carta e se encontrar com o próprio Presidente Lula, agora o que o senhor pretende fazer, quais serão as próximas ações?

Dom Erwin: Na realidade não se trata de novas ações ou outras cartas ao Presidente. Vou simplesmente continuar a defender, em todas as ocasiões que se apresentam, os povos do Xingu, os povos indígenas, os ribeirinhos e o povo de Altamira que será tremendamente atingido, se Belo Monte tornar-se realidade. Enquanto Deus me der fôlego não deixarei de empenhar-me, de modo especial em favor dos mais prejudicados e necessitados. Quero repetir sempre com Dom Oscar Romero: “Como pastor, estou obrigado por mandato divino de dar a vida por aqueles que amo”.

7) Para finalizar gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a importância da presença da Igreja nessa discussão, e também do cidadão comum, o senhor acha que todos deveriam se posicionar sobre o assunto?

Dom Erwin: Quero apenas citar um trecho do Documento de Aparecida que lembra a visita do Papa ao Brasil em 2007:

“Em seu discurso aos jovens, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo , o Papa Bento XVI chamou a atenção sobre a “devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana de seus povos” e pediu aos jovens “um maior compromisso nos mais diversos espaços de ação”” (DAp 85).

Estou convicto de que não apenas nossa juventude é interpelada a assumir esse “maior compromisso”, mas todos nós. A faixa etária não importa.

No Símbolo Apostólico professamos: “Creio em Deus, Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra”. A fé no Pai Criador implica no amor e no zelo por tudo que Ele criou e na responsabilidade a ser assumida pelo lar (ecologia = do grego: “ciência do lar”) que Ele nos confiou, também em vista das futuras gerações.


[1] Em entrevista a João Carlos Magalhães, da Folha, neoliberalismo.wordpress.com/2010/03.

[2] Art. 176 – As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. Parágrafo 1º – A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.

[3] O Estado de São Paulo, Economia & Negócios, 23 de abril de 2010.

[4] O painel de especialistas abrange 40 membros, entre os quais Francisco de Moral Hernandez, engenheiro elétrico da Universidade de São Paulo (USP), Sônia Magalhães, antropóloga da Universidade Federal do Pará (UFPA), Jorge Molina Carpio, hidrólogo,  Geraldo Mendes dos Santos, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Paulo Buckup, presidente da Sociedade Brasileira de Ictiologia, Antônio Carlos Magalhães, antropólogo, Nirvia Raena, professora da UFPA, Oswaldo Sevá, professor da Universidade Estaduald de Campinas (UNICAMP), Hermes Fonseca de Medeiros, doutor em ecologia, professor da UFPA, Philip Fearnside, do Departamento de Ecologia do INPA, Glenn Switkes +, International Rivers Network.

[5] O Estado de São Paulo, Economia & Negócios, 22 de abril de 2010: O Presidente da República afirmou isso em entrevista depois de almoço no Itamaraty com o presidente do Líbano, Michel Sleiman.
do CIMI

Entrevista com Paul Watson

Por Barbara Veiga entrevista Paul Watson
a bordo do STEVE IRWIN/do SEA SHEPHERD

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1)Qual a diferença entre a “Waltzing Matilda” e as outras campanhas realizadas na Antártica? Você acredita que essa foi a campanha melhor sucedida até agora?

Captain Paul Watson: A Waltzing Matilda é a nossa 6˚ campanha até a Antártida e eu acredito que tenha sido a campanha mais eficaz porque nós tivemos mais recursos e com estes fazer mais atividades. Eu acredito sim que essa campanha foi a mais bem sucedida, mas é importante também olhar para as outras campanhas em termos de “efeito coletivo”. Cada uma delas foi importante e passou por um processo. Cada campanha é uma pressão contínua na caça japonesa. Nós tivemos dois navios na “Operation Leviathan”, mas na “Waltzing Matilda” nós tivemos três navios e melhores equipamentos.


2)Para você foi um grande choque perder o Ady Gil na colisão com o navio Shonan Maru II? Você tem algum plano para um novo trimarã na próxima campanha?

Captain Paul Watson: Bem, eu não diria que foi um choque, mas uma perda grande. E sobre repôr, bem… ainda custa mais de um milhão de dólares e não temos suficientes recursos até agora.


3) Qual sua opinião sobre a Comissão Baleeira internacional? Você acredita que seja mesmo eficiente?

Captain Paul Watson: A Comissão Baleeira começou em 1946 com o intuito de terminar com a indústria baleeira, então nunca foi realmente eficiente. Há muito gasto de tempo, energia e dinheiro para colocar regulamentos impressos e os baleeiros continuam com suas ações desrespeitando esses regulamentos.


4) Que tipo de resposta política poderia ter cada governo de cada nação para impedir a caça baleeira?

Captain Paul Watson: O que os países que participam e assinam a Comissão baleeira referente ao tratado da Antártica deveriam fazer seria defender a leis de conservação, ordenando o Japão para cessar ou invocar suas sanções econômicas nas suas atividades ilegais. E eles tem poder para fazê-lo. A Comissão internacional baleeira estipula como isso pode ser feito, mas existe uma falta de atitude política e econômica para colocar isso em prática.


5)Quais espécies de baleia estão sendo ameaçadas de extinção na Antártica?

Captain Paul Watson: Eu acredito que todas as espécies de baleias estão se deparando com a extinção no momento, mesmo os peixes estão passando por um sério momento de risco de extinção. Os oceanos tem sido sistematicamente destruídos. E se os oceanos morrerem, nós estamos nos deparando com a extinção. Então eu não entendo como pessoas acreditam que a perda da vida nos oceanos não afetará nossa vida em terra.

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6)Qual a diferença entre a Sea Shepherd e outras Organizações ambientais, como por exemplo o Greenpeace?

Captain Paul Watson: Não existe nenhuma outra organização que faz o que nós fazemos. Nós não protestamos, nós somos uma organização que intervem a matança. O que fazemos é impor a lei da conservação marinha e em 33 anos os membros da Sea Shepherd nunca sofreram nenhum acidente, nunca foram condenados a um crime. Greenpeace é uma organização que protesta problemas do meio ambiente.


7)Como você vê a Sea Shepherd em 10 anos?

Captain Paul Watson: Fica difícil imaginar como o mundo vai estar em 10 ou 15 anos com toda pesca comercial e há um grande potencial de colapso em 10 anos, então fica difícil dizer a posição da Organização nesse tempo, é realmente imprevisível. São tantos fatos que mudam nossa realidade constantemente e tão rapidamente. Agora mesmo, por exemplo não existem mais “ice packs” no Canadá e essa foi a primeira vez que foi observado em anos. Então como as coisas estão mudando muito rapidamente fica difícil responder.


8)O Steve Irwin está indo para o Mediterrâneo no verão de 2010. Qual será a próxima campanha?

Captain Paul Watson: A próxima campanha será defender o atum contra a indústria pesqueira no Mediterrâneo que fornece o peixe para o mercado japonês. Haverá nesse mês um encontro para discutir o assunto e já está designado que o atum com barbatana azul está em perigo de extinção e o mercado japonês já colocou que vai ignorar esse dado.


9)Quais são os países que colaboram com a extinção do atum de barbatana azul?

Captain Paul Watson: A caça ilegal do atum vem dos países: Espanha, França, Itália, Malta, Líbia, Tunísia, etc…


10)Qual a importância do programa “Whale Wars” para a Organização?

Captain Paul Watson: O programa “Whale Wars” ajuda em termos de visibilidade e suporte mundial, trazendo mais recursos tornando nossa Organização mais eficiente.


11)Qual foi o momento mais estressante da Organização em 33 anos? E o momento mais recompensador?

Captain Paul Watson: Eu não consigo pensar em nenhum momento estressante durante esses anos, mas um momento recompensador…bem, ter impedido a caça baleeira esses anos… desde 1979. Nós tivemos tantas vitórias diferentes ao longo dos anos, que fica difícil dizer qual foi a mais importante de todas.


12)Qual mensagem você deixaria para os ativistas da Sea Shepherd Brasil?

Captain Paul Watson: Eu acho que as pessoas realmente precisam entender a importância e a ligação que existe entre os oceanos e a nossa sobrevivência em terra. Se os oceanos morrerem, nós morreremos. Não importa se as pessoas morem no topo de uma montanha ou no meio do deserto, ainda continuaremos conectados aos oceanos.

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*Paul Watson é fundador e Presidente da Sea Shepherd Conservation Society e cofundador da Fundação Greenpeace e Greenpeace International.
*A Sea Shepherd Conservation Society foi fundada em 1977 nos Estados Unidos, é atualmente e considerada a ONG de proteção dos mares mais ativista do mundo com a participação efetiva de milhares de voluntários em todo o planeta.

ENTREVISTA:  WAGNER SOARES:

Expansão da agricultura orgânica é economicamente viável

DO ENSP

As principais barreiras que limitam a expansão, tanto da oferta quanto da demanda, do mercado dos alimentos orgânicos motivaram o desenvolvimento da tese de doutorado do economista Wagner Lopes Soares, no Programa de Saúde Pública e Meio Ambiente da ENSP. Além de defender que a agricultura orgânica é economicamente viável, ele avalia os efeitos positivos e negativos provocados pela utilização do agrotóxico; analisa a saúde do trabalhador rural de acordo com as características do uso de agrotóxico nos estabelecimentos rurais; e aponta alternativas econômicas e tecnológicas para sua eliminação, sempre que possível. Wagner foi orientado pelo pesquisador Marcelo Firpo, do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP).

LEIA ABAIXO A ENTREVISTA

Na tese ‘Uso dos agrotóxicos e seus impactos à saúde e ao ambiente: uma avaliação integrada entre a economia, a saúde pública, a ecologia e a agricultura’, você analisa fatores que influenciam o uso dessas substâncias nas propriedades agrícolas. Fale sobre a importância de reunir todos esses aspectos para abordar um tema que está em evidência.

Wagner Lopes Soares: Sou economista, trabalho no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e fiz meu mestrado em economia. Porém, não é comum observarmos uma abordagem das ciências econômicas sobre a questão dos agrotóxicos. Normalmente, o que predomina na literatura serve mais para demonstrar a eficiência desses produtos e do modelo agrícola, que incorpora essa ‘modernidade’. Poucos são os trabalhos que abordam, revelam e discutem a questão da ineficiência desses produtos. Certamente, um fator importante para a decisão do uso dessas substâncias é que muitos dos seus impactos sociais são externalizados, ou seja, não refletem em um custo privado para o agricultor quando decide utilizar esses produtos. Quem acaba pagando, quando há trabalhadores intoxicados, contaminações na biota e em recursos ambientais é a sociedade, o que de certa forma acaba incentivando o uso desses insumos por parte do agricultor individual. Em relação à questão do emprego dos agrotóxicos na agricultura e seus efeitos – ou externalidades negativas – à saúde e ao ambiente, podemos dizer que essa tese é inovadora, pois, além de valorá-las, discute o papel de desincentivos econômicos ao uso dessas substâncias e incentivos às outras opções tecnológicas menos nocivas. Na minha dissertação de mestrado também abordei o tema.

No entanto, naquela ocasião, o olhar sobre o problema se restringiu a uma visão economicista, simplificada, e que não dava conta de abarcar as várias questões em razão da sua grande complexidade. A lição tirada da dissertação de mestrado sobre a questão dos agrotóxicos é que explorá-la mais exigiria um grande esforço interdisciplinar em diferentes áreas, especialmente da agricultura e da saúde pública.

Sua tese foi defendida no programa de Saúde Pública e Meio Ambiente da ENSP, que traz uma abordagem interdisciplinar sobre as questões relacionadas à saúde e ao meio ambiente, e o tema agrotóxico é bastante complexo. Como foi o desenvolvimento do estudo?

Wagner Soares: A tese é composta de três artigos sobre o uso dos agrotóxicos e seus impactos à saúde e ao ambiente, e um quarto artigo que aborda, sob o prisma das políticas públicas, alternativas de produção ao modelo agrícola baseado no uso intensivo desses insumos.

O primeiro artigo, “Atividade agrícola e externalidade ambiental: uma análise a partir do uso de agrotóxicos no cerrado brasileiro”, publicado no periódico Ciência e Saúde Coletiva, em 2006, teve como objetivo discutir as externalidades negativas associadas ao uso intensivo de agrotóxicos no bioma do cerrado, área em franca expansão da atividade agrícola, em especial da monocultura da soja.

O artigo traz uma visão ampla das externalidades negativas provocadas pelos agrotóxicos utilizados na atividade agrícola e a importância das políticas de regulação para internalizá-las no processo produtivo. Nesse artigo, em função da própria base de dados utilizada, procuramos dar ênfase aos impactos ambientais, como é o caso da contaminação do solo e da água pelo uso dos agrotóxicos e fertilizantes.

Quais foram as abordagens dos artigos seguintes?

Wagner Soares: O segundo e o terceiro artigos mostram como fazer um exercício de valoração desses custos. O segundo passa pela externalidade associada à intoxicação aguda, e apresento dados do IBGE em que estabeleço associações entre a intoxicação e características do estabelecimento rural, por exemplo: se ele usa receituário agronômico ou não, se possui assistência técnica, quem indica o uso do agrotóxico, a quantidade utilizada, a área em que é aplicado, ou seja, uma série de variáveis e as suas relações com a intoxicação aguda do trabalhador rural.

A partir daí, conduzimos um estudo que valora os custos sociais associados à intoxicação aguda, condicionando-os às características dos estabelecimentos rurais e comparando-os aos benefícios dos agrotóxicos, obtidos a partir dos ganhos de produtividade. Por meio de um exercício comparativo, avalia-se o quanto benefícios exclusivamente privados chocam-se com os interesses de bem-estar da sociedade como um todo.

Os resultados indicam que os custos com a intoxicação aguda podem representar em torno de 64% dos benefícios dos agrotóxicos, e, na melhor das hipóteses, quando as características de risco dos estabelecimentos encontram-se ausentes, esses custos representam 8% dos benefícios.

Como foi feita essa divisão entre os estabelecimentos com grande risco de intoxicação e os com menor risco?

Wagner Soares: Quando todos os fatores de risco de intoxicação estavam presentes em um determinado estabelecimento, chamei de Tipo 1, e estimei o custo da intoxicação aguda para esse estabelecimento mais arriscado.

Em seguida, fiz o cálculo do custo esperado para um estabelecimento sem esses fatores de risco, o Tipo 2, e fiz o seguinte cálculo: se todos os estabelecimentos do Paraná que produzem o milho fossem do Tipo 1, qual seria o custo agregado para o estado?

Esse cálculo se baseia no número de estabelecimentos que produzem milho vezes o custo esperado do estabelecimento mais arriscado. Isso dá um custo para o estado da ordem de US$ 70 milhões para os estabelecimentos do primeiro tipo. Se imaginarmos que esses mesmos estabelecimentos são do Tipo 2, esse custo cairia para US$ 9 milhões, ou seja, uma economia em torno de US$ 61 milhões ao retirar esses fatores de risco.

E a situação dos produtores? Como fica sua relação com esses estabelecimentos?

Wagner Soares: Ao avaliar os fatores de risco que fazem com que o custo esperado com a intoxicação aumente, observa-se que os mesmos estão relacionados à falta de assistência técnica, à falta de informação sobre a utilização dessa tecnologia, e, nesses casos, quem sofre mais é o pequeno produtor. Ele tem maior risco de intoxicação aguda, apesar de os grandes agricultores serem os maiores vilões, principalmente sob o ponto de vista ambiental.

Os pequenos produtores têm maior risco porque são mais vulneráveis, ou seja, sofrem com a falta de informação, e, na maioria dos casos, o vendedor indica qual agrotóxico ele deve usar no estabelecimento, o que aumenta as chances de intoxicação em 263%.

Só para dar um exemplo, na análise que fiz sobre o milho, cultura presente em grandes e pequenos estabelecimentos, 29% dos agrotóxicos utilizados para essa cultura não eram indicados para o uso. Já no caso da soja, em que basicamente há grandes estabelecimentos, esse número caiu para 4%.

O que traz o terceiro artigo?

Wagner Soares: O terceiro artigo faz o mesmo exercício de valoração, mas incorporo fatores não só do estabelecimento, mas da vizinhança e do entorno, ou seja, fatores do contexto no qual o município se encontra. Um dos fatores mais importantes que consegui articular com toda essa abordagem é que, quando o estabelecimento está em um município que incentiva o uso da agricultura orgânica, o custo esperado cai sensivelmente.

Portanto, quando assumimos um cenário em que há maior risco nos estabelecimentos rurais, verifica-se que para cada dólar gasto com a compra dos agrotóxicos no estado, US$ 1,28 poderia ser gerado em custos externos com a intoxicação. No entanto, essa situação poderia ser revertida, caso certas medidas fossem tomadas, como, por exemplo, a adoção de um programa de incentivo à agricultura orgânica por parte do município, uma vez que reduz as chances de intoxicação no estabelecimento rural em 47%.

Tendo em vista os resultados dos dois artigos anteriores, que apontaram, respectivamente: a maior fragilidade do pequeno agricultor aos danos à saúde causados pelo uso agrotóxicos; e um efeito significativo dos incentivos políticos à agricultura orgânica para a redução desses riscos; procurou-se, no último artigo dessa tese, trabalhar a inserção desse pequeno agricultor nesse processo produtivo, reconhecendo alguns elementos teóricos e empíricos que limitam a expansão do mercado dos alimentos orgânicos.

Quais fatores limitam a expansão da agricultura orgânica? Como funciona esse mercado no Brasil?

Wagner Soares: O Censo Agropecuário de 2006 estima que, dos 5,2 milhões de estabelecimentos existentes, 84% são classificados como familiares e 71% deles são excluídos da agricultura química, ou seja, não utilizam agrotóxico. Esse cenário revela que temos um potencial enorme para expandir a oferta de produtos orgânicos, inserindo esses agricultores nesse tipo de agricultura.

No entanto, há barreiras como, por exemplo, o alto preço dos produtos orgânicos, o que acaba limitando por outro lado a sua demanda. A tese identificou uma série de fatores que fazem com que esse preço seja alto, como, por exemplo, o maior custo com mão de obra e a certificação, que onera os produtores, e que por sua vez é repassado para os preços dos orgânicos.

Como funciona a concessão da certificação? Ela é mesmo necessária?

Wagner Soares: No caso dos produtos orgânicos é difícil avaliar sua qualidade e definir se aquele produto é realmente ‘limpo’ em termos de resíduo de agrotóxico. O produtor sabe a qualidade do seu bem, mas o consumidor não tem certeza. A ideia da certificação serve para o produtor comprovar que seu produto é de boa qualidade.

Temos certificadores nacionais, internacionais, e a certificação gera um custo para o produtor, pois é ele quem paga por isso. O grande problema é que esse custo fere o princípio básico do poluidor pagador, pois quem não polui acaba pagando, o que deveria ser o contrário. O que estou dizendo é que a certificação é necessária, porém injusta. Acaba penalizando o agente econômico errado.

Fora o custo, quais outros fatores interferem na obtenção da certificação?

Wagner Soares: O último artigo da tese avalia bem esses fatores. Por exemplo, o fato de o estabelecimento ter acesso a crédito, ser familiar e possuir um bom nível de integração ao mercado influenciam na certificação. Além disso, a exportação também é um fator importante, assim como a característica da sua vizinhança. Por exemplo, quando a cultura orgânica é vizinha de estabelecimentos com grandes produções, as chances de certificação diminuem para 7%. Por outro lado, as possibilidades aumentam 359% quando se trata de agricultores familiares mais capitalizados.

Mas quando esse estabelecimento familiar capitalizado é vizinho de grandes propriedades rurais, essa porcentagem é reduzida 20%. Logo, não basta ser só familiar. A ideia é isolar o agricultor orgânico mesmo.

De certa forma, pode-se afirmar que é um processo burocrático?

Wagner Soares: Há certificações e certificações. Depende do grau de exigência, do tipo de certificadora, mas, em geral, se trata de um processo rigoroso. Em minha opinião, ser orgânico não é apenas ser livre de agrotóxicos. Tem uma série de questões embutidas, como o ganho social que ele traz, questões relacionadas à justiça social. Certamente, há externalidades positivas nesse processo para além de questões somente associadas à saúde e ao ambiente.

Em termo políticos, o governo tende a flexibilizar essa questão da certificação. Deverá entrar em vigência, no próximo ano, uma certificação nacional que irá normatizar a questão e também outra modalidade que tornará mais flexível esse processo aos produtores não tão integrados ao mercado.

No caso da venda direta dos produtos, os agricultores orgânicos contarão com um sistema participativo de garantias, que é uma espécie de controle social que garante a rastreabilidade, a qualidade da produção e, consequentemente, dá a necessária credibilidade ao produtor, sem exigir a certificação.

Como funciona a demanda em relação aos produtos orgânicos?

Wagner Soares: A tese também contemplou esse aspecto. Pesquisei uma base de dados do IBGE que analisa as características pessoais do indivíduo que consome alimento orgânico e do seu domicílio. A questão domiciliar é fundamental na tomada de decisão do consumo, já que 91% da variabilidade desse consumo se devem às características domiciliares.

O fato de o indivíduo ser gestor do lar também aumenta essas chances, já que ele possui maior autonomia na escolha do que será consumido, assim como o grau de instrução, pois a pessoa mais informada conhece os benefícios desse consumo. Ser mulher também influencia, já que elas possuem maior preocupação com a qualidade do alimento.

Em relação ao domicílio, quanto maior for o número de idosos, menores são as possibilidades de consumo, pois eles trazem hábitos antigos e em geral são mais avessos às mudanças. O acréscimo de uma pessoa no domicílio também reduz o consumo em 77%. Os resultados também mostram que esse consumo está basicamente associado à classe média-alta.

Por outro lado, o fator que mais aumenta esse consumo é o fato do domicilio ter consumidores mais éticos e responsáveis com o meio ambiente. Portanto, o desafio é justamente levar informações sobre os benefícios dos orgânicos para além desses consumidores, chamados “verdes”, e também para além da educação formal e do nível de rendimento domiciliar.

Em 2008, o Brasil atingiu a marca de maior consumidor de agrotóxicos no mundo. É possível reverter esse quadro?

Wagner Soares: As políticas de governo do passado tiveram forte influência para chegarmos a esse ponto. Na década de 1970, tivemos um Plano Nacional de Expansão de Defensivos Agrícolas que fornecia subsídios para a compra dos agrotóxicos. Podemos dizer que o grande “adubo” do agrotóxico foi o estado. Hoje, vemos que essa participação foi reduzida, mas que, de certa forma, foi bem suprida na década de 1990 com o papel das grandes empresas multinacionais que entraram no mercado fazendo uma nova forma de financiamento e incentivo ao uso.

O importante agora é fazer o caminho inverso. Os mesmos subsídios e políticas de incentivo devem ser feitos para a produção orgânica, e ao mesmo tempo desincentivos à produção convencional, geradora de externalidades negativas. Na tese, elenco uma série dessas políticas. Convivemos com o despreparo do pequeno agricultor e uma fragilidade institucional enorme na regulação dessas substâncias.

O registro de um agrotóxico hoje na Anvisa custa R$ 1.800, enquanto o de um medicamento, por exemplo, custa R$ 80 mil, ou seja, esse custo é irrisório perto das cifras gastas para o controle e seus impactos sociais. O prazo de reavaliação de eficiência do agrotóxico, a partir do momento que ele obteve o registro, é eterno. Tudo isso tem a ver com a força da bancada ruralista no Congresso.

A indústria do agrotóxico tem investimentos maciços em pesquisa, enquanto a tecnologia disponível na agricultura orgânica conta com um saber espalhado nas mãos dos produtores, necessitando maior aproximação entre o saber popular e o saber científico.

Por outro lado, devemos conscientizar a população, ao demandante, de que a agricultura orgânica é economicamente viável a esse pequeno produtor e socialmente justa.

“Belo Monte foi Proposto por Megalômanos e Trambiqueiros”

Entrevistando Oswaldo Sevá

SEVÁ EXPLANANDO SOBRE A HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE

“Acho que engenharia é uma coisa muito séria para ser praticada por pessoas que são mentirosas como este grupo que inventou e está tocando o projeto de Belo Monte há vinte anos. São mentirosos e agora estas mentiras estão começando a vir à tona, felizmente”.
A afirmação é do professor Oswaldo Sevá, que faz, nesta entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone, uma crítica à construção da hidrelétrica de Belo Monte. Entre as consequências que a obra gerará, Sevá destaca que um lugar belíssimo conhecido como Volta Grande será completamente modificado. Ele indaga: “Porque pretendem cortar a Volta Grande inteira, abrindo canais imensos, do tamanho do canal do Panamá, para poder desviar essa água e cair na mesma margem?”. E, em seguida, responde, apontando que este projeto é absurdo, “foi imaginado por gente que só pensa em dinheiro”.
Oswaldo Sevá é graduado em Engenharia Mecânica de Produção pela Universidade de São Paulo. Fez mestrado em Engenharia de produção pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, e doutorado na Université de Paris I. Em 1988, a Universidade Estadual de Campinas, onde é professor atualmente, lhe concedeu o título de Livre-docência. Em seu site, o professor disponibiliza alguns arquivos sobre hidrelétricas em geral e sobre os projetos do rio Xingu.
Sevá organizou três livros: TENOTÃ-MÕ. Alertas sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu (São Paulo: International rivers Network, 2005); Riscos Técnicos coletivos ambientais na região de Campinas, SP (Campinas, SP: NEPAM – Unicamp, 1997); e Risco Ambiental – Roteiro para avaliação das condições de vida e de trabalho em três regiões : ABC/ SP, Belo Horizonte e Vale do Aço, MG, Recôncavo Baiano/BA (São Paulo: INSTY-Instituto Nacional de Saúde no Trabalho/CUT, 1992).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as principais falhas no projeto de Belo Monte?
Oswaldo Sevá – “O projeto é completamente absurdo. Um projeto de hidrelétrica, atualmente, deveria ter outros critérios.
Esse é um projeto velho, que foi desenhado pela primeira vez no final dos anos 1970. Primeiro foi feito o inventário para calcular o potencial hidráulico do Xingu, que é baseado em uma concepção que já existe alguns lugares no Brasil, como sobre o rio Jacuí, no Rio Grande do Sul.
Se pega o meandro do rio, corta-se esse meandro, desviando a água por uma das margens, para se colocar as turbinas em uma casa de força, depois do meandro. Começa por não se tratar de um projeto de uma hidrelétrica qualquer, não tem nada de parecido com Itaipu, nem com Tucuruí, por exemplo. Não é uma usina que tem um único barramento, um prédio de concreto com as máquinas da casa de força e com vertedouros para o escoamento das cheias. É totalmente diferente disso.
Este projeto é muito mais parecido com o projeto da Usina Dona Francisca, no rio Jacuí, mas em uma dimensão cem vezes maior. Ele pega uma ideia da Volta Grande do Xingu.
Esta pode ser enxergada a partir do satélite e aparece em qualquer mapa do Brasil, onde se vê o rio Xingu seguindo para o norte e descendo em direção ao rio Amazonas, de repente ele é obrigado a fazer uma volta de quase 200 quilômetros, chega a correr novamente para o sul, depois recomeça e aí retoma o rumo que ele tinha, fechando quase um anel completo, por isso chamado de Volta Grande.
É um dos monumentos paisagísticos e fluviais do nosso planeta.
O projeto é absurdo porque pretende pegar um monumento fluvial, um lugar maravilhoso com cachoeiras de vários quilômetros de largura cada uma, com ilhas, arquipélagos florestados com morros dentro do rio, e pretende considerar que isso deve ser aproveitado para se fazer energia elétrica, simplesmente destruindo, fazendo uma coisa igual ou pior que Itaipu fez com as Cataratas das Sete Quedas do rio Paraná. Se fizermos isso com a Volta Grande, do Xingu, estaremos decretando a destruição de um dos lugares mais maravilhosos do mundo.

Ninguém barrou as cataratas do Iguaçu, que eu saiba nem existe proposta para barrar, as cataratas do Niágara, nos Estados Unidos, as cataratas de Victória Falls no rio Zambezi, na África, portanto não tem que barrar e nem destruir a Volta Grande do Xingu.
Isto é fácil de explicar desde que as pessoas estejam dispostas a considerar o planeta, os rios, a Amazônia, o que temos no mundo e o que as futuras gerações terão. Para discutir em termos de energia elétrica, custos e habilidade econômica, daria para fazer um rosário de argumentos.”

IHU On-Line – Que critérios deve ter um projeto de hidrelétrica?
Oswaldo Sevá – “Acho que não existem critérios. Quando se fizeram a maioria das hidrelétricas brasileiras, entre os anos 1940 e 1980, o único critério que vigorava era medir a velocidade do rio, o desnível que existia, e construir uma usina de tal maneira que aproveitasse o máximo possível esta vazão. Este critério é de uma determinada época, já passou, porque, na maioria dos lugares em que permitia fazer isso, já foi feito.
Não é um problema de falta de critério, é de visão de mundo. As pessoas chegam lá, os burocratas, engenheiros, calculistas, as empresas que ganham dinheiro fazendo obras e vendendo eletricidade, olham um lugar maravilhoso como aquele, e só fazem contas, acham que vão conseguir modificar a geografia e o relevo daquele lugar de tal forma que isso vire um empreendimento rentável.

Mesmo que fosse decidido fazer alguma obra lá, jamais deveria ser deste tamanho e com esta concepção.
Ainda tenho muita esperança que os bancos financiadores e as entidades seguradoras vão descobrir isso, que é um projeto totalmente inviável do ponto de vista econômico exatamente porque é absurdo como projeto de engenharia. É um projeto que nem o próprio governo é capaz de dizer, até hoje, quanto irá custar.
Até um ano atrás diziam uma mentira, que custaria sete bilhões de reais, depois passaram a dizer que iria custar onze, atualmente dizem que vai custar dezesseis, mas todo mundo sabe que vai custar pelo menos trinta. Tudo isso é o resultado de um processo completamente descontrolado de mentiras, de argumentos falaciosos, de falsidades que foram sendo construídas nos últimos vinte anos. É como se fosse um castelo de areia que está começando a ruir. Ainda bem.”

IHU On-Line – E que debates foram feitos na época em que Itaipu foi construída?
Oswaldo Sevá – “Quando Itaipu foi construída, eu tinha acabado de me formar em Engenharia Mecânica, começava a dar aula em universidades e ainda não era um especialista na área de energia, embora prestasse muita atenção na natureza. Itaipu foi construída como resultado da união dos esforços de duas ditaduras militares, com meia dúzia de grandes empresas internacionais e mais a empresa brasileira Camargo Correa, que se tornou, a partir daí, uma multinacional.
Foi resultado de duas ditaduras sangrentas, como foram a do ditador Stroessner, no Paraguai, e, no Brasil após o massivo período do Médici e do Geisel. Foram eles que decidiram fazer o que era melhor possível do ponto de vista do capitalismo da época e dos lucros das empresas que iam construir e vender os equipamentos, e simplesmente desprezaram qualquer critério de bom senso.
Itaipu nunca teve nenhuma cachoeira, na realidade era um trecho do rio em que as costas eram um pouco mais íngremes, formavam uma espécie de desfiladeiro natural com uma vazão muito grande. Foi necessário construir um prédio de 120 metros de altura, com mais de um quilômetro de largura, para fazer uma queda totalmente artificial que ali não existia.
Lá no começo da represa de Itaipu, colocaram Sete Quedas embaixo d’água. Se tivessem feito ela trinta ou quarenta metros mais baixa, geraria 60 ou 70% da energia que gera e estariam ainda livres para visitação de milhões de turistas por ano, que iam deixar lá tanto dinheiro, praticamente o quanto se ganha com a venda de eletricidade, e estaria preservado aquele monumento fluvial para o resto da história do planeta. Faço questão de insistir nisso.

As pessoas ficam querendo discutir, dialogar com o governo e as empresas no mesmo terreno. Eu faço questão de dizer que estou em outro terreno, em que eles não são capazes de dizer nada. Estou no terreno da ética e da civilização. Acho que engenharia é uma coisa muito séria para ser praticada por pessoas que são mentirosas como este grupo que inventou e está tocando o projeto de Belo Monte há vinte anos. São mentirosos e agora estas mentiras estão começando a vir à tona, felizmente.”

IHU On-Line – O que a obra de Belo Monte trará para o rio Xingu?
Oswaldo Sevá – “É difícil saber o que uma obra feita em um ponto determinado do rio traz de consequência como um todo.
O rio Xingu tem 2.300 quilômetros de comprimento, começa perto de Cuiabá, no planalto mato-grossense. O início dele está muito comprometido com o agronegócio, com a expansão do plantio de soja, de milho, e depois tem um pedaço grande, relativamente preservado, onde fica o parque indígena do Xingu.
Graças a Deus, foi criado um parque com uma área imensa, um conjunto de terras indígenas que já estão homologadas há quase 50 anos, e que é um pedaço que está muito mais preservado. Depois ele entra em um trecho encachoeirado, com quase 1.000 quilômetros ao longo do estado do Pará, e, lá no final deste trecho, um pouco antes dele desembocar no rio Amazonas, é que tem esta Volta Grande, onde a obra será construída.
Para o rio como um todo, se for feita, seria a primeira grande barragem, e iria interromper o fluxo natural do rio com consequências mais locais onde seria interrompido. Será a primeira barragem, mas não vai parar por aí porque se conseguirem fazer esta ninguém segura mais depois. Nos próximos vinte, trinta e quarenta anos vão ser feitas as outras quatro barragens que já foram calculadas e projetadas. Todo o rio brasileiro que tem uma barragem acaba tendo várias outras, não conheço história de um rio que tenha uma só.
Nem o rio Jacuí, o rio Uruguai, o Iguaçu, o Paranapanema, o São Francisco e o Tocantins. Isto é uma empulhação que o governo federal resolveu fazer de um ano pra cá, de dizer que iriam fazer uma só. É tudo mentira, e ainda com a resolução que não tem menor valor de lei, de um conselho ministerial que praticamente não se reúne.
Então, se várias barragens forem feitas, o rio será destruído, passa a ser uma sucessão de lagos, de represas, como são vários rios brasileiros. Eles têm muita utilidade, podem gerar energia, criar peixes, podem ter hospedagem de classe média ou até de luxo na beira do rio para fazer turismo, mas deixa de ser um rio. Muitas vezes, a água apodrece, as espécies de peixe mudam, mas isso é um assunto para pessoas que são da área de ciências naturais, eles é que sabem direito qual é a consequência, mas só perder a Volta Grande já é uma algo enorme.

O rio vai perder o seu principal trecho encachoeirado, uma parte dele vai ficar dentro d’água, e outra vai ficar sem água, completamente seca. As pessoas que moram lá não vão aguentar porque não vão ter nem água de poço para beber. Tem aspectos da vida local que também não estão sendo muito falados. Aquilo vai virar um inferno se, por acaso, a obra for feita, pois, as pessoas não vão mais ter condições de morar na região. Quem estiver na área alagada tem que sair, quem estiver na área seca vai sair também, pois será impossível de viver.
IHU On-Line – Um pesquisador afirmou que somente 39% da potência instalada de Belo Monte se transformará em energia firme. O que será feito com o resto?

Oswaldo Sevá – “Sobre discussão de energia firme acho o seguinte: estudei isso durante muito tempo, sou engenheiro mecânico, dou aula de energia na UNICAMP há muitos anos, acompanho várias obras e já conversei com pessoas que operam usinas hidrelétricas.
Pouquíssimas pessoas no Brasil têm um conhecimento sofisticado, profundo, do funcionamento dos rios ao longo do ano, para poder afirmar que uma coisa que não existe ainda, no futuro, só terá uma determinada potência que é “x” % da potência das máquinas. Essa é uma questão que serve para ficarmos dizendo como a usina é mal projetada, mas não é por aí, pois, qualquer hidrelétrica tem muito mais máquinas do que precisa, porque, às vezes, elas têm que parar para manutenção. É preciso ter reservas. Durante o verão amazônico, pode acontecer de o rio Xingu não ter água suficiente para virar qualquer uma das máquinas previstas.
Agora, voltamos à questão: Por que pretendem instalar onze mil megawatts? Por que pretendem cortar a Volta Grande inteira, abrindo canais imensos, do tamanho do canal do Panamá, para poder desviar essa água e cair na mesma margem? Porque é um projeto absurdo, foi imaginado por gente que só pensa em dinheiro e está pensando em criar as coisas mais absurdas do mundo e que vai conseguir usar o dinheiro público para isso, e assim, ganhar dinheiro fazendo essas obras. É um problema de concepção.
Vamos fazer as maiores obras de Engenharia Civil para ter a maior de todas, que é o jeito que encontraram para ganhar mais dinheiro. É uma coisa relativamente simples para qualquer cidadão entender. Estamos numa situação difícil de quase esquizofrenia para a sociedade, pois, Belo Monte foi proposto por megalômanos e trambiqueiros há mais de 20 anos, que continuaram a mentir para todo mundo do governo – que acreditam nas mentiras – e agora está chegando a hora da verdade, ou seja, o projeto começa a ser conhecido, mais detalhado e, ainda assim, não se tem a ideia do custo.
Esse é o indicador mais evidente dessa esquizofrenia. O governo diz que vai colocar a leilão a energia de Belo Monte daqui dois ou três meses e até hoje ninguém sabe quanto ele vai custar. Não existe isso em lugar nenhum no mundo.
Esse é um sintoma de insanidade mental que foi mantida durante 20 anos. Podemos ficar horas falando dos impactos aqui e ali, inclusive sobre a energia firme que você levantou nessa questão. Acho, inclusive, que a maioria dos que estão falando da energia firme conhece muito pouco o problema.
Aqui na Unicamp, onde eu trabalho, deve ter três ou quatro pessoas só que entendem direitinho do funcionamento dos rios e que seriam capazes de dizer alguma coisa a respeito disso. As simulações que fizemos aqui na Faculdade de Engenharia Elétrica são totalmente diferentes dos cálculos do governo. “

IHU On-Line – Qual sua opinião sobre as audiências públicas que foram feitas sobre a construção de Belo Monte?
Oswaldo Sevá – “Eu estava analisando de longe, pois não pude participar porque há alguns meses fiz uma cirurgia muito pesada e estou em fase de tratamento. Fiquei na retaguarda, recebendo noticias e fotografias.
Já participei de muitas audiências públicas em São Paulo, as audiências que são feitas pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo são muito mais organizadas e democráticas nesse sentido. O tempo de apresentação dos empreendedores e das entidades ambientalistas é mais ou menos equiparado. Os políticos não falam no começo da audiência, porque ela é técnica.
Além disso, as quais participei, tiveram um caráter informativo maior porque fazia-se uma série de observações, assim, o empreendedor tinha o direito de replicar, e as entidades ambientalistas tinham direito a treplicar.
Eram muito interessantes, muitas delas foram tensas, tiveram a presença da polícia. Mas nas audiências de lá, estavam todos morrendo de medo, de novo, que os índios fossem lá fazer aquela covardia como fizeram em maio de 2008 e machucaram o engenheiro da Eletrobrás.
Com isso, botaram cerca de 400 policiais, guardas nacionais, agentes da ABIN e polícia federal para proteger os caras do IBAMA e empreendedores. Então, é difícil imaginar uma audiência verdadeira com um clima desses.
A audiência não pesa no licenciamento. Ela é uma espécie de mise-en-scène que o empreendedor faz questão que seja realizado, porque depois tem que demonstrar que houve participação pública, e que o IBAMA também faz questão de realizar para ter um álibi.
Mas a decisão, no caso de Belo Monte, já está tomada lá em cima, lá na Casa Civil, que já mandou dizer ao Carlos Minc logo que entrou no Ministério, que Belo Monte vai ter a licença prévia ambiental concedida.
No fundo, você pode dizer que é uma palhaçada, porque as pessoas que levam a sério vão lá, gastam dinheiro do próprio bolso, mas, para o IBAMA e para os empreendedores, aquilo é um teatro, porque já está tudo resolvido.
O IBAMA vai conceder a licença prévia, só não vai fazer isso se acontecer algum terremoto. Essa decisão é do governo. A audiência é um meio para desgastar e é, também, um álibi. É uma pena, porque poderia ser de fato um momento para haver um debate.”

Fonte: IHU On-line /Envolverde/Mercado Ético)

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Despues de Copenhague hacia una democracia de la Tierra fundada en el Buen Vivir. Entrevista a Giuseppe De Marzo.
Por Giulia Pandolfi

A Giuseppe De Marzo, economista, activista y portavoz de la Asociación A Sud, le preguntamos su opinión sobre los resultados del vértice de Copenhague. “Desafortunadamente dramáticamente negativo” -fue su primer comentario- porque delante a las desafíos puestos, la respuesta de la governance global fue completamente insuficiente, incluso contraproducente por muchos motivos”. En esta entrevista nos explica el porque.

Vértice de Copenhague. De Marzo “un fracaso para la humanidad. Construyamos una nueva democracia de la tierra fundada en el buen vivir”

Salió hace poco su último libro “Buen Vivir”. Por una nueva democracia de la tierra” (Ediesse edizioni, pp. 165, euro 10). A Giuseppe De Marzo, economista, activista y portavoz de la Asociación A Sud, le preguntamos su opinión sobre los resultados del vértice de Copenhague. “Desafortunadamente dramáticamente negativo” -fue su primer comentario- porque delante a las desafíos puestos, la respuesta de la governance global fue completamente insuficiente, incluso contraproducente por muchos motivos”. En esta entrevista nos explica el porque.

¿Cómo seguiste y qué opinión tienes del vértice de Copenhague?

Lo seguí con esperanza y duda, creo como todos. Sin duda era la cita más relevante de los últimos años para la suerte del género humano. El desafío de Copenhague no era de poco monto, cómo garantizar las condiciones para la reproducción de la vida, salvaguardando los derechos de los seres vivientes? Para hacerlo era necesario producir una profunda reflexión sobre cuáles son las causas que generan la crisis ambiental.

Analizar los nexos de la crisis ecológica con las crisis económica, alimentaria, financiera, migratoria, energética, democrática. Desde nuestro punto de vista, compartido por los movimientos y la sociedad civil global, es el actual modelo de desarrollo capitalista la causa productora dela crisis ambiental. Fino a que sigamos con un modelo que teoriza la posibilidad de un crecimiento económico infinito que no tiene en cuenta de los límites físicos del planeta y de su biosfera, basado sobre modelos de producción y consumo que utilizan la “sustitución” y la “compensación” para afrontar las cuestiones relacionadas con los “servicios ambientales”, no seremos capaces de dar respuestas útiles y eficaces a las grandes preguntas que la humanidad se hizo en Copenhague. Mi juicio entonces, desafortunadamente, es dramáticamente negativo porque en Copenhague delante a los desafíos puestos, la respuesta de la governance global fue completamente insuficiente, incluso contraproducente por muchos motivos. Me refiero en este sentido a las relaciones con los países del sur del mundo, irremediablemente comprometidos por la pobreza de las decisiones tomadas frente a los dramas ambientales y sociales denunciados por muchos países afectados precisamente por los cambios climáticos y que pedían mucho más.

¿Qué juicio tienes del documento producido al final del summit?

No es otra cosa que una declaración de intentos que remanda compromisos sin tomar empeños precisos. El acuerdo no representa ni siquiera una pequeña mediación, sino algo peor. Esta vez todos eran conscientes de las dramáticas condiciones en las que se encuentra el planeta y de los efectos catastróficos que tendrá para millones de seres humanos si no se invierte la rueda. Nunca como antes las presiones de la opinión pública habían sido tan fuertes ni se había conseguido un terreno de consenso así de amplio sobre las cuestiones relevantes para nuestra sobrevivencia. En cambio, una vez más asistimos inermes a la victoria de la ganancia y de los intereses de las grandes transnacionales sobre la vida y el buen sentido. Algo entonces sucedió en Copenhague pero no en la dirección que esperábamos. Seguramente en algunos años este vértice será recordado por haber marcado el fin de la democracia como la conocemos, visto que de frente a una emergencia tan gigantesca este tipo de democracia dejó por fuera los intereses de muchos, para favorecer a pocos, poniendo incluso en riesgo las condiciones para la reproducción de la vida en el planeta.

De Copenhague salimos con una idea clara, no serán ni occidente, ni las formas clásicas de la política las que salvarán la Tierra. La esperanza de cambio está en los movimientos, en la sociedad civil, en las comunidades empeñadas en defender los bienes comunes y en todo el campo que constituye el ecologismo de los pobres los que pueden representar un elemento de liberación capaz de saldar los nexos y las prácticas entre los sujetos empeñados en la justicia ambiental y la justicia social. En este campo adscribo también las experiencias de gobierno de diversos países latinoamericanos come Bolivia, Ecuador y Venezuela, que han hecho la democracia más participativa y han aumentado el catálogo de los derechos individuales, colectivos y comunitarios. Un acercamiento plural en el plano cultural, jurídico, económico hace posible la individuación de soluciones para nuestros problemas complejos e interdependientes, y es esto lo que estos gobiernos están proponiendo en el debate internacional.

La mayor parte de la plusvalía mundial de la decidir nada.

Para Xie Zhenhua, el representante de la delegación cina, “todo el mundo debería estar feliz por los resultados del vértice”. Para el primer ministro de la India, Manmohan Singh “cada acuerdo sobre el clima debe considerar las necesidades de crecimiento de las naciones en vía de desarrollo”. Fue éste el vértice del triunfo de China e India?

Bah, seguramente es necesario ser un poco masoquistas para estar felices por los resultados del vértice, a menos que sea parte del cerrado círculo de personas que continuarán a sacar ventaja de la destrucción ambiental, de las guerras y de las carestías que seguirán. Este vértice es un fracaso para la humanidad y para todos aquellos que se arriesgan a venir al mundo en una situación de dramática escases de bienes y servicios ambientales no renovables. India y Cina seguramente en el plano de la geopolítica mundial representan, y desde antes de Copenhague, nuevos polos del poder económico sin los cuales el “capital” no puede  fuerza de trabajo se produce precisamente por estos gigantes “ejércitos de mano de obra” de países como China e India, necesarios al capital para reproducirse así mismo en su función de acumulación original. Si entendemos entonces que la China y la India salen de este vértice como vencedoras porque han demostrado que el capitalismo no puede no enrolarlos integralmente, podemos decir que han conseguido el objetivo de asumir el rol de grandes potencias económicas. Desde otro punto de vista, podemos decir que tanto India como China han traicionado las expectativas de sus pueblos y de centenares de millones de trabajadores, campesinos, indígenas, pescadores, pastores que más que otros pagarán el peso de una decisión equivocada que no se traducirá en más “desarrollo” para ellos. Crecerá el PIB de estos países pero no crecerá el desarrollo humano de la población. De hecho ya el PIB crece constantemente en estos países, pero la gente está cada vez peor y cada vez más pobre.

El Ministro de Ambiente italiano Stefania Prestigiacomo criticó la decisión de Europa de presentarse al Summit con el paquete 20/20/20 definiéndolo un empeño “unilateral” que “puede” servir para el alivio de nuestras conciencias (nosotros contribuimos con el 25% de las emisiones globales), pero no resuelve el problema. ¿Qué opinión tienes de estas declaraciones?

Al menos son algo arriesgadas. El gobierno de Berlusconi no llevo una propuesta a Copenhague, o mejor, la propuesta era ninguna propuesta. De otro lado encuentro escandaloso que un ministro del ambiente paragone el alivio de nuestras conciencias con la necesidad de intervenir para cambiar una situación de extremo peligro de la cual el propio modelo económico y social creado en Europa es el principal responsable.

La Prestigiacomo remueve las responsabilidades históricas y políticas de Europa y decepciona a aquella parte de la EU que quiere hacer más, manteniéndose aquel proceso de degradación y división política de Europa iniciado en la guerra de Bosnia, acelerado de la vieja idea de Europa de Rumsfield y Bush y continuada de gobiernos antieuropeos y antidemocráticos como desafortunadamente es el italiano. Alguno debería decirle a la Prestigiacomo que no puede existir economía sin ecología, mientras que esta última puede vivir sin la economía.

En estos días estas en gira por Italia presentando tu último libro en el cual hablas de la necesidad de trabajar en la construcción de un nuevo paradigma de civilización, fundado en el “buen vivir”. ¿qué entiendes con este término?

Buen Vivir indica otra idea de la vida, de las relaciones sociales, de la relación con la naturaleza y con las otras fuerzas vivas de este planeta. Una perspectiva que se declina a partir de una “ética de la Tierra” y que apunta a recocer la fractura entre derechos y responsabilidades que el modelo capitalista ha producido con sus continuas laceraciones internas y externas a la vida. Buen Vivir para los pueblos nativos, en particular para los pueblos andinos, significa la necesidad intrínseca de cada ser vivo de buscar la felicidad, entendida no solo en sentido individual sino colectivo y comunitario. Una armonía que está en la necesidad de imaginar sobre todo el desarrollo del ser humano dentro de un cuadro armonioso con la naturaleza. Una necesidad profunda que no se presenta solo en plano material. La piedra angular sobre la cual se puede construir en el plano práctico una sociedad que tienda al buen vivir, está propio en los derechos de la naturaleza. No por caso los derechos de la Naturaleza entraron preponderantemente en las nuevas constituciones de Ecuador y Bolivia que por primera vez en la historia indican como el objetivo del desarrollo deba ser el buen vivir para cada ser humano. Finalmente se analizan con un paradigma completamente distinto al capitalista las relaciones con la vida, la sociedad, imaginado un concepto de desarrollo, crecimiento y progreso no unidireccional tal como lo hemos heredado de la concepción iluminista. Es necesario que construyamos una nueva democracia de la Tierra, capaz de salvarnos a todos, ninguno excluido y de contenernos a todos. Para hacerlo, el buen vivir representa una sabiduría, mas que una evocación, irrenunciable.

Giulia Pandolfi

Traducción de Salima Cure

do Portaleco

ANGELA SAMPAIO

Entulho de obra civil é apontado como possível foco de dengue

ENSP

O grande volume de chuvas e o aumento da temperatura são fatores que, por si só, potencializam a proliferação de focos geradores de endemias. Somado a isso, a expansão imobiliária aumenta cada vez mais a geração de entulho que, por muitas vezes, é depositado a céu aberto em terrenos, praças e caçambas por toda a cidade. Preocupada com a relação entre as epidemias de dengue e o acúmulo de entulho, a aluna de doutorado em Saúde Pública da ENSP, Angela Sampaio, publicou o artigo ‘Dengue, related to rubble and building construction in Brazil’.

O artigo, que contou com a orientação da pesquisadora do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da ENSP, Débora Cynamon Kligerman, e do pesquisador da Fundação João Pinheiro, Silvio Ferreira Júnior, como coautores, é o primeiro fruto do projeto de doutorado de Angela, ‘Reciclagem de Entulho da Construção Civil como Medida de Prevenção e Controle da Epidemia da Febre de Dengue’, tendo sido publicado na revista científica especializada em geração de resíduos Waste Management.

Informe ENSP: Por que a geração e a destinação de resíduos sólidos são problemas urbanos e se tornaram uma questão de saúde pública?

Angela Sampaio: Em todas as metrópoles mundiais, o crescimento populacional e econômico tem acelerado a

expansão imobiliária, e com isso aumentado a quantidade de resíduos sólidos continuamente gerados pelos diversos setores e atividades da sociedade. Hoje, no Rio de Janeiro, cerca de 60% do total dos resíduos sólidos são provenientes da construção civil. O Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, localizado em Duque de Caxias- RJ, gerenciado pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), recebe cerca de sete mil toneladas de lixo por dia e está chegando ao ponto de saturação. Assim, medidas devem ser tomadas para a redução do entulho gerado na região e ser contemplada a reciclagem.

No entanto, nem todo o entulho gerado é recebido por intermédio da Comlurb ou de seus Eco-Pontos descentralizados pela cidade. Muitas vezes, o material é despejado em terrenos baldios e a céu aberto. O descarte clandestino desses resíduos vem provocando graves impactos ambientais, sociais e econômicos. Muitas vezes, os materiais produzidos pelas obras não são retirados dos locais de imediato, atraindo outros tipos de despejo, e os mais diversos objetos são descartados nessas áreas. Então, acontece um significativo acúmulo de material ao redor das áreas em construção. Com a incidência das chuvas, esses locais inevitavelmente se tornam focos de proliferação de Aedes Aegypti, o vetor transmissor da dengue.

 

Informe ENSP: Não existem leis para normatizar as ações de geração e destinação dos resíduos sólidos?

 

Angela Sampaio: Sim, elas existem. Primeiramente, gostaria de ressaltar que há materiais que não podem ser tratados como entulho da construção civil e nem todo o descarte de obras é considerado como resíduo da construção civil passível de reciclagem. O embasamento legal para a prática da reciclagem de entulho da construção civil é a Resolução Conama Nº 307, de 5 de julho de 2002, acrescida das legislações estaduais e dos Planos Municipais de Gerenciamento de Resíduos Sólidos da Construção Civil, que estabelecem as diretrizes, critérios e norteiam os procedimentos para a gestão do entulho da construção, que também são regulamentados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. No entanto, as ações relativas à reciclagem sistemática ainda não foram efetivamente implementadas neste Estado.

 

Informe ENSP: Como surgiu a ideia desta investigação?

 

Angela Sampaio: Na verdade, desde 2007, trabalho com a questão do entulho, quando me tornei colaboradora do projeto ‘Avaliação da reciclagem de entulhos da construção civil no Estado do Rio de Janeiro como proposta à gestão de resíduos sólidos mais sustentáveis’, coordenado pela Débora Cynamon Kligerman e financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). O foco nessa pesquisa primeiramente foi analisar a existência da reciclagem de entulho nos municípios do Estado do Rio de Janeiro, em atendimento à Resolução Conama Nº 307, e com base na constatação da pouca reciclagem de entulho, apesar da grande geração, e paralelamente a identificação de uma elevada taxa de incidência e da percepção pelas pesquisadoras de uma considerável relação entre a alta geração de entulho sem o tratamento adequado e a taxa de incidência de dengue.

 

Informe ENSP: Qual é o principal objetivo da pesquisa para a elaboração do artigo?

 

Angela Sampaio: A ideia desse trabalho é ressaltar a importância da implantação de sistemas de gerenciamento e reciclagem do entulho da construção civil no município do Rio de Janeiro como uma medida eficaz de saneamento. Além disso, pensar nesse gerenciamento também como uma medida copromotora da redução dos agravos relacionados ao dengue e fomentadora de inclusão social e desenvolvimento econômico local.

 

Informe ENSP: Quais os principais fatores de inter-relação encontrados no estudo?

 

Angela Sampaio: No Rio de Janeiro, temos problemas com a destinação e geração do entulho. Concomitante a isso, convivemos também com a situação endêmica da dengue. No Brasil, poucos estados não apresentaram incidência dessa doença. Segundo informações da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil (Sesdec), no Rio de Janeiro, em 2008, mais de 200 mil casos foram notificados, e esses resultaram em cerca de 200 óbitos. Só o município do Rio concentrou uma média de 50% dos casos totais do estado.

As evidências encontradas sugerem que há relação significativa entre as taxas de incidência da doença e o acúmulo de resíduos provenientes da construção civil no município, bem como o coeficiente de correlação entre as taxas de incidência de dengue e a área construída por Áreas de Planejamento (AP). Nos anos de 2007 e 2008, a AP 4, que contempla os bairros de Jacarepaguá e Barra da Tijuca, apresentou a maior área de concentração de área construída. Lá também foi verificado o segundo maior nível de incidência de dengue e o segundo maior em termos de taxa de incidência. A AP, que abrange a área do centro da cidade, ficou em primeiro lugar, mas lá está concentrado um grande número de unidades hospitalares de referência para todo o estado, como o Hospital dos Servidores, Hospital Municipal Souza Aguiar e o Instituto Nacional do Câncer. Por isso, acredita-se que grande parte dos casos notificados nessa área, na verdade, sejam provenientes de outras localidades.

Nessa mesma epidemia, a área menos atingida foi a AP 2.1, compreendida pelos bairros da Glória, Catete, Laranjeiras, Flamengo, Botafogo, Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon, Lagoa, Jardim Botânico e adjacências. Nessas localidades, a urbanização está mais bem consolidada. Por isso apresentou a menor área total construída, o que implica menor geração de entulho da construção civil. Com esses dados, podemos afirmar que a expressiva correlação verificada neste estudo sugere que as localidades que apresentam presença mais intensa da construção civil também apresentam maior incidência de dengue, e vice-versa.

 

Informe ENSP: Que medidas podem ser adotadas para solucionar a questão da gestão de resíduos?

 

Angela Sampaio: É urgente e necessária a adoção de processos efetivos de reciclagem do entulho da construção civil. Isso não só contribuirá para atenuar o surgimento de situações epidêmicas como também proporcionará economia de recursos financeiros em virtude das quedas esperadas no número de casos notificados em endemias causadas por vetores.

Além do cumprimento das leis que estão em vigor, durante a epidemia de dengue de 2008, a Sesdec divulgou textos educativos voltados para a população. A promoção da educação ambiental e da mobilização da população também são ações fundamentais.

Outra questão relevante é acabarmos com o ainda existente preconceito que vemos por grande parte da sociedade sobre a questão do uso e da qualidade dos materiais ou produtos resultantes de objetos reaproveitados. Os sete ‘R’ – Reeducar, Reduzir, Reutilizar, Reciclar, Repensar, Recusar, Recuperar – estão aí para serem utilizados e podem ajudar nesse processo. Em países da Europa, como França e Espanha, o concreto reciclado é normalmente comercializado e utilizado.